
“Trabalhamos porque queremos alavancar vidas”, afirma Paulo Chimera, respondendo à seguinte questão: por que motivo um indivíduo “perde” o seu tempo para assistir gratuitamente pessoas doentes?
Paulo Chimera tem 35 anos de idade, é activista comunitário há mais de uma década, tendo dado início à sua carreira em 2008, na província central de Sofala. Após ter-se mudado para Maputo, Chimera enquadrou-se em 2012 na associação Pfuka Uhanya (expressão em língua changana, que em português significa: Levanta-te e Vive).
Sentado à sua mesa de trabalho, Paulo Chimera coloca a mão direita no queixo enquanto o cotovelo pousa sobre uma pilha de papéis. A sua forma de acomodar as costas no espaldar da cadeira é prova clara de que há muita experiência por se partilhar.
Ao invés de dar continuidade à sua afirmação – em resposta à nossa pergunta – o activista põe-se a falar de um episódio que presenciara numa das campanhas comunitárias que a sua organização realizava antes da eclosão da Covid-19.
“Há gritos histéricos e choros incessantes em todos os cantos da casa. Os familiares mostram-se indiferentes à situação do enfermo, um doente crónico em péssimas condições”, afirma Paulo, sublinhando que ainda responderá à nossa pergunta inicial, mas depois da história do doente em alusão.
“O doente não se conseguia erguer, era uma espécie de bebé incapaz de se levantar do chão, ele não comia, nem bebia. Fazia as necessidades nas suas próprias vestes, parecia um homem à berira da morte. Pedimos aos familiares do doente para que abrissem as janelas do quarto para que, pelo menos, houvesse uma entrada de ar. Depois de se abrir as janelas, veio uma brisa e o doente parou de se contorcer. Fizemos de tudo para ajudá-lo, tiramo-lo do quarto abafado e ajudámo-lo a ficar limpo”, disse Paulo Chimera.
Segundo Paulo Chimera – actualmente oficial de programas e coordenador da Pfuka Uhanya, uma associação de activistas centrados no sector da saúde – a história desse paciente poder-lhe-ia ter cortado a vontade de continuar a assistir doentes vulneráveis.
A vontade de ajudar, entretanto, sempre foi maior, mesmo quando os doentes são estigmatizados pelos próprios familiares.
“Conto-vos esta história para que vejam o esforço que temos feito para o desenvolvimento do activismo no campo da saúde. Ou seja, quero que vejam, por exemplo, a necessidade de se envolver a família na vida do doente crónico”, argumenta o activista, acrescentando que, passados alguns dias, o mesmo doente (residente no Bairro 25 de Junho, subúrbio da Cidade de Maputo) perdeu a vida, embora já estivesse a mostrar sinais de melhoria.
Paulo Chimera – provavelmente por ser chefe de uma família composta por sua esposa e seus quatro filhos – sublinha diversas vezes o preponderante papel que a família desempenha na vida do indivíduo, lamentando o facto de existirem pessoas que maltratam os seus familiares, quando estes se encontram em péssimo estado de saúde.
“É crucial que o doente seja acarinhado pelos parentes. O nosso objectivo é sensibilizar as pessoas para que sejam mais solidárias umas com as outras. Ninguém pede uma tuberculose ou HIV, por isso não pode e nem deve haver estigmatização”, disse Paulo.
Voltando, finalmente, à pergunta que se propusera a responder, o coordenador da organização Pfuka Uhanya afirma: “damo-nos a este trabalho simplesmente para salvar vidas.”
Depois da paralisação das actividades por conta da pandemia, Paulo Chimera assistiu ao fim das actividades comunitárias que a sua organização vinha realizando. Todos os projectos que estavam a decorrer foram encerrados; cancelou-se as visitas domiciliares que eram prestadas aos doentes crónicos, os financiamentos desapareceram e a crise instalou-se.
Os encontros comunitários fazem falta, os doentes carecem de aconselhamento e a saúde dos mais vulneráveis corre perigo.
“As actividades comunitárias foram banidas. As mesmas fazem muita falta às comunidades, as pessoas precisam do nosso calor, precisam da visita de um agente de saúde. O que tínhamos programado foi adiado, a Covid-19 não nos permite fazer muita coisa”, revela Paulo.
“As nossas actividades têm mais adesão dentro das comunidades. Agora andamos limitados, os encontros são muito restritos e não conseguimos fazer perfeitamente as palestras sobre os serviços de saúde”, acrescenta o coordenador.
Para este, há momentos em que as coisas vão de mal a pior, inexistindo dinheiro de transporte para os poucos activistas que restam, mas mesmo assim não se cala a vontade de trabalhar para ajudar o próximo.
Não obstante o risco de COVID19, Paulo Chimera mostra-se contente com o facto de nenhum dos colaboradores da sua associação ter sido infectado pela Covid-19.
“Por enquanto, não temos nenhum caso de Covid-19. Neste momento em particular, estamos satisfeitos com o facto de todos os colegas terem sido vacinados contra este mal. Todos os colegas estiveram na unidade sanitária para a vacinação”, remata o activista.