Notas Introdutórias
As principais fontes de financiamento do sector da saúde, em Moçambique, incluem o Orçamento do Estado (OE), atribuído pelo Ministério da Economia e Finanças (MEF), tendo em conta as contribuições directas dos parceiros ao OE, os fundos do PROSAUDE e os fundos dos programas verticais. O peso relativo dos fundos externos sofreu uma redução ao longo do tempo, cerca de 42% em 2022 em relação aos 49.7% verificados em 2021, sugerindo uma menor fragilidade do sector da saúde e uma redução da dependência das despesas de saúde em relação aos recursos aos fundos externos.
No entanto, o peso relativo dos fundos externos tem ganhado uma tendência crescente, num contexto em que o nível de execução das despesas de investimento externo apresentou uma tendência contraria. Apenas em 2017, por exemplo, foram executados apenas 1,2 mil milhões de meticais contra uma dotação prevista de aproximadamente 4 mil milhões de meticais, equivalentes a um grau de execução de 32%, muito abaixo do planificado. Igualmente, ao longo do ano de 2022, as despesas de investimento externo apresentaram um grau de execução de somente 31%. Isto deve-se ao facto de, com excepção do OE e PROSAUDE, a maior parte dos fundos estar fora do controlo do Ministério da Saúde (MISAU), dificultando, desta feita, a efectuação de uma planificação adequada e levando as tendências negativas na execução do financiamento total, o que não facilita o alcance da cobertura universal.
Algumas das principais origens para o financiamento externo em Moçambique, destacadas no REO MISAU, são: PROSAUDE, Fundo Global, Global Financing Facility e Gavi Alliance que, segundo o REO 2022, tiveram pesos de 25.2%, 18.5%, 44.9% e 9.2%, respectivamente. Como referido acima, os fundos externos têm um papel importante para o financiamento das despesas no sector da saúde. A totalidade dos fundos externos, para a componente de investimentos externos em 2022, foi de 4.4 mil milhões de meticais.
No entanto, as doações são também feitas e apresentadas na componente de medicamentos, em espécie e, no ano em referência, foram de 19.7 mil milhões de meticais, correspondentes a cerca de 75% da totalidade dos fundos externos. Não obstante, em 2021, os donativos em espécie corresponderam a 87% do total dos fundos externos, mostrando uma tendência crescente destes donativos, grandemente causado pela pandemia da Covid-19, motivação para que o financiamento externo se elevasse. Neste sentido, a ajuda externa representa uma fonte de financiamento pouco segura na medida em que a mesma pode ser alterada em função das variáveis não controladas nas finanças públicas nacionais.
Alocação Orçamental
Em termos nominais, as despesas de saúde em Moçambique tem apresentado, nos últimos anos, uma tendência crescente. De 2015 a 2019, as despesas com o sector de saúde cresceram em 32%, quase 4 vezes abaixo dos indicadores observados no quinquénio anterior. O grau de execução de 2020 mostra-se pouco comum a nível do sector da saúde, uma vez que, em média, 11% do orçamento planificado não foi realizado no período de 2015-2022. De 2021 para 2022, tanto as despesas planificadas como as realizadas apresentaram crescimentos de aproximadamente 15.5%. Em 2022, os níveis das despesas no sector da saúde tiveram um grau de realização de 82%, cerca de 1pp acima dos dados observados no ano anterior. Assim, a realização observada para o ano de 2022 foi de cerca de 57 mil milhões de meticais, aproximadamente 70 mil milhões de meticais (vide gráfico 1).
Gráfico 1 – Dotação versus Realização (Mil Milhões de MT)

Fonte: OCS com base no REO MISAU 2015-2022
Entre 2015 e 2022, o sector de saúde absorveu, em média, cerca de 30.1 mil milhões de meticais, o que em termos da despesa total representa 10%, equivalente a 4% do PIB. Os dados apontam que Moçambique está longe de atingir os mínimos previstos na Declaração de Abuja – um compromisso que pressupõe que cada Estado africano invista investir 15% do seu orçamento nacional em despesas no sector da saúde.
Antes da descoberta das Dívidas Ilegais, o governo conseguiu manter os níveis de alocação, com uma alocação da despesa total em 12%, equivalente a 3% do PIB, em 2016. Depois da alocação das despesas com saúde terem atingido os 14%, em grande parte como resultado da execução do plano de resposta à Covid-19, que contou grandemente com a ajuda externa. O orçamento alocado ao sector da saúde, em 2022, representou 13% da despesa total e 4% do PIB, do mesmo ano.
Gráfico 2 – Despesa com o Sector de Saúde (Mil Milhões de MT)

Fonte: OCS com base no REO MISAU 2015-2022
De acordo com o REO, o MISAU mostrou que a componente de medicamentos absorve, neste sector, a grande parte dos recursos, sendo apenas 46% em 2022. Não obstante, as despesas com o pessoal absorvem igualmente grande parte destes recursos, cerca de 38.6% em 2022. Por outro lado, temos as despesas de investimento, que contribuem directamente para a melhoria no acesso e qualidade de serviços. Estas despesas absorveram somente 9% das despesas, no ano em referência (vide figura 1).
Figura 1– Composição da Despesa no Sector de Saúde em 2022

Fonte: OCS com base no REO MISAU 2022
Outro ponto crítico deve-se ao facto de 85% das despesas de investimento dependerem de recursos externos, num contexto em que existem diversos factores exógenos que criam incertezas quanto ao desembolso das doações externas. Assim sendo, torna-se preocupante a grande proporção das despesas que garantem o crescimento e desenvolvimento deste sector, maioritariamente fora do controle do Governo. Deste modo, é necessário que se imprima maior esforço interno para que se reduza a dependência de doadores na execução das despesas. Segundo o REO do MISAU de 2022, 42% do financiamento ao sector provem de fundos externos.
Gráfico 3 – Receitas Próprias (Milhões de MT)

Fonte: OCS com base no REO MISAU 2017-2022
As receitas provenientes do sector estão presentes no Relatório de Execução Orçamental do MISAU, designadas por Receitas Próprias. Em todo o país, o sector de saúde arrecadou cerca de 160.3 milhões de meticais, em 2019. Este valor veio a decrescer em 2020 em cerca de 17% e, em 2021, o total das receitas próprias eram de 168 milhões de meticais, um crescimento de 27% em relação ao ano anterior. Em 2022, a realização foi de 207.1 milhões de meticais, correspondentes a uma realização de 30%. Nota-se, com estes dados, que a evolução destas receitas não segue uma tendência lógica, tornando-a “imprevisível” na arrecadação de receitas, uma modalidade de recursos não segura para o financiamento sustentável ao sector de saúde.
Gráfico 4 – Despesas de Saúde e Receitas Próprias (Milhões de MT)

Fonte: OCS com base no REO MISAU 2018-2022
Outro ponto crítico tem que ver com a execução das receitas, na ordem de apenas 6.1% dos 53.8 milhões de meticais previstos em 2018, e 7.1% em 2021, face à dotação de cerca de 2.4 mil milhões de meticais prevista para 2021. Não obstante, a incerteza quanto ao grau de realização das receitas próprias, no sector de saúde, contribui para a inviabilidade da sua adopção como uma fonte segura e sustentável de financiamento. Ademais, o peso da sua realização tem apresentado um contributo quase insignificante em relação à totalidade das receitas internas que financiam o sector. Em 2022, o peso das receitas próprias, em relação ao total das receitas internas e externas, foi de somente 0.6%.
A análise do IOF 2019/20 mostrou que, no país, 10% da população mais pobre detém apenas 0.8% da despesa total e 10% da população mais rica detém cerca de 43.1% da despesa total, sendo que a despesa média mensal na área urbana corresponde ao dobro da área rural. Os elevados índices de desigualdade socioeconómica no país, associados ao crescimento do mercado de serviços sociais, com maior enfâse para saúde e educação, no âmbito privado, sugerem a consolidação da divisão social nestes sectores, abrindo espaço para o acesso destes serviços para uma elite em detrimento do grosso da população pobre. A manutenção deste cenário, associada ao crescimento demográfico, justifica uma projecção de desequilíbrios sociais e económicos auto–agravantes.
Para além das dificuldades de acesso, a baixa qualidade dos serviços públicos arrasta as populações financeiramente providas para o sector privado, evidenciado no IOF 2019/20. Ou seja, a população mais rica procura mais por serviços de saúde privados, ao passo que as populações financeiramente desprovidas (classes baixa e média) procuram maioritariamente por serviços públicos de saúde. Por outro lado, a esmagadora maioria permanece na miséria de tal forma que o país não desenvolve, pois os sectores sociais assumem uma posição transversal, dado que afectam todos aspectos galvanizadores do desenvolvimento.
A Organização Mundial da Saúde (OMS)[1] prevê que os países menos desenvolvidos devem apresentar uma despesa per capita em saúde de cerca de USD 86, para que se garanta a provisão de serviços essenciais de saúde. Analisando a despesa nominal per capita do sector da saúde, observa-se que esta apresentou uma tendência crescente entre 2015 e 2022, com um crescimento médio anual de aproximadamente 10%. Em 2015, esta despesa era de USD 18.5 (equivalente a 710 meticais) por habitante, vindo a reduzir para USD 11.8 (equivalentes a 737 meticais) em 2016, correspondentes a uma redução em cerca de 37%, num contexto em que a população apresentou uma taxa de crescimento de cerca de 6%.
O efeito da flutuação da taxa de câmbio, por sua vez, teve um papel muito relevante nesta variação. Entre 2020 e 2021, como consequência da Covid-19, que influenciou positivamente nas despesas do sector, a despesa per capita passou de USD 15.4 para USD 25.1, um crescimento de 63%. Em 2022, estas despesas estiveram em USD 28.2 (equivalentes a 1804 meticais), sendo a mais alta observada no período analisado. Esta alocação corresponde a uma realização de apenas 33% da meta de alocação da despesa per capita apresentada pela OMS.
Gráfico 5 – Despesa per capita do Sector da Saúde
[1] https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250048/WHO-HIS-HGF-HFWorkingPaper-16.1-eng.pdf;jsessionid=0AD74870F8F4FB2B71032FBEE0DB5C13?sequence=1

Fonte: OCS com base no REO MISAU 2015-2022, com base no câmbio corrente
Principais Constatações
- As despesas do sector da saúde de 2022 foram financiadas em 42% por fundos externos e sofreram uma redução ao longo do tempo, com cerca de 42% em 2022 contra uma dependência de 49.7%, observada em 2021;
- A execução orçamental para 2022 foi de 82%, 1pp acima do observado em 2021;
- Cerca de 46% das despesas do sector eram parte da componente de medicamentos, das quais 75% provinham de doações em espécie, mostrando a contínua elevada dependência desta componente em relação aos recursos externos;
- Na mesma senda, o investimento externo constituiu 85% das despesas de investimento;
- Mais uma vez, a Declaração de Abuja não se verificou no país, sendo que a alocação ao sector de saúde correspondeu a 13% da despesa total;
- A alocação orçamental per capita para a saúde foi de pouco mais de USD 28 (equivalentes a 1804 meticais), o equivalente a apenas 33% da meta de alocação da despesa per capita em USD 86 (equivalentes a 3831 meticais), apresentada pela OMS.
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