Na sequência de irregularidades que se originam na implementação da Tabela Salarial Única (TSU), a Associação Médica de Moçambique (AMM) desencadeou, no dia 07 de Dezembro em curso, uma greve geral. De acordo com o comunicado emitido pela agremiação, prevê-se que a mesma greve termine no dia 28 do mês em curso.

Este grupo de profissionais de saúde exige, entre vários aspectos, o enquadramento condigno de médicos especialistas e de clínica geral no contexto da TSU, tendo-se em conta o cumprimento do estatuto do médico na Administração Pública, a revisão das horas extras, assim como a reavaliação dos subsídios de renda para habitação, subsídio de localização e de exclusividade, em cerca de 40%. O Governo, entretanto, argumenta que a revisão do subsidio de exclusividade so pode ser apenas na ordem de 10%, sem se ultrapassar o limite orçamental.

A greve dos médicos está a colocar em causa o atendimento adequado dos pacientes, visto que muitos serviços foram interrompidos, obrigando os pacientes a recorrerem ao sector privado ou a remarcarem as consultas para uma outra ocasião. Desta feita, agrava-se o estado de saúde dos utentes que precisam de tratamento para as suas enfermidades.

Numa análise em torno deste problema, o Observatório Cidadão para Saúde (OCS) entende que, apesar de serem legítimas as reivindicações dos médicos, a greve viola os direitos dos utentes e usuários dos serviços de saúde, que ficam privados da assistência médica e medicamentosa.

 “A greve dos médicos é legítima, até porque foi aprovado um estatuto pelo parlamento e que até hoje não é cumprido pelo Governo”, disse o coordenador do pilar de Participação Pública do OCS, António Mate.

Este assunto, de acordo com o coordenador, data há bastante tempo, concretamente 2014, quando este grupo de profissionais iniciou a sua reivindicação, sendo esta a 3ª greve dos médicos na história de Moçambique.

Segundo Mate, Moçambique apresenta um grande défice dos recursos humanos para responder à demanda no Sistema Nacional de Saúde (SNS), agravando-se actualmente com a greve dos médicos. Para António Mate, isto significa que para além de se ter este problema de base, há outro que é causado por esta paralisação das actividades por parte dos médicos.

Recorrendo a dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em média 2.3 médicos estão para 1.000 habitantes, mas em Moçambique o panorama que se assiste é de 0.8 (aproximadamente a 1) médico está para 10.000 habitantes. Desagregando os dados, na cidade de Maputo, 2.3 médicos estão para 10.000 habitantes, isto significa que para se poder chegar ao rácio mais distante recomendado pela OMS, deve-se aumentar a capacidade 10 vezes mais do pessoal médico para se chegar a margem de 2.3 médicos para mil habitantes.

“Com estes dados, dá para perceber o caos que é instalado, primeiro com estes rácios importantes que o país deve alcançar, mas que não está a conseguir. Por isso, temos uma fraca cobertura dos médicos a nível do país. Mas temos um outro aspecto que foi discutido no Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE 2023), que prevê o enquadramento do pessoal médico, com destaque para mais profissionais estrangeiros em detrimento dos nacionais”, explica Mate.

António Mate

Greve VS Contratação de Mais Médicos Estrangeiros

Os dados do PESOE 2023 prevêem uma contratação de aproximadamente 741 médicos estrangeiros, o que corresponde a uma percentagem de 87% contra a contratação de recursos humanos nacionais na ordem 158, representando cerca de 18% de médicos moçambicanos que vão ser contratados no período em alusão.

Esta situação, segundo o coordenador do Pilar de Participação Pública, é inconcebível, pois gasta-se mais dinheiro remunerando-se médicos estrangeiros em detrimento dos nacionais, alegando-se sempre a falta de cabimento orçamental.

“Quando nós pegamos o caderno reivindicativo dos médicos, percebemos que o fundamento da sua reivindicação são as condições do trabalho, não só dos médicos, mas sim para todos os profissionais de saúde, como também a questão das remunerações”, referiu.

Mate adiantou que os aspectos patentes no Estatuto do Médico foram concordados, o que significa que houve consenso na generalidade, mas na especificidade, não se cumpre. A título de exemplo, apresenta-se o subsídio de exclusividade, que a Associação Médica diz que tem que continuar em 40%.

 “Mas se nós trouxermos aqui os dados sobre o enquadramento de médicos, vamos perceber que o Governo está disponível a gastar, em 2023, mais dinheiro para a contratação de médicos estrangeiros. A questão que se colocada é: que orçamento suportará a contratação de profissionais estrangeiros, num contexto em que a reivindicação dos médicos é justificada pela ausência de condições financeiras?”

Mate, todavia, congratula o Governo pelo esforço que tem vindo a envidar para a resolução dos problemas da Associação Médica. O pesquisador entende que não se deve olhar apenas para este grupo, mas também se deve acomodar outras ordens e associações.

“Sabemos que o Governo reuniu-se com a Ordem dos Enfermeiros e com as associações dos Enfermeiros e das Parteiras de Moçambique”.

Questionado se esta é ou não altura para fazer greve, António Mate respondeu que existe um desgaste por parte da Associação Médica, pois este assunto é muito antigo, tendo-se agudizado com a TSU.

“Como eu disse, é uma greve que devia ter acontecido já há bastante tempo, mas, por causa do princípio de diálogo, eles baixaram as mangas e entraram para um processo de negociação. O que sucede é que este processo não logrou os resultados esperados”, vincou.

Outro aspecto que teria contribuído para que os médicos não mais se contivessem, de acordo com o pesquisador, tem que ver com a perda da confiança e a incerteza em relação aos assuntos em discussão.

“Isto também pode ser produto das anteriores discussões que a Associação Médica teve com o Governo e que não foram resolvidos”, afirmou.

“Num cenário como este, em que, por exemplo, a segunda greve dos médicos em Moçambique, resultou em muita violência administrativa e o caderno de encargos também não foi resolvido, faz-se sentir esta greve”, disse Mate.

Reconhece que esta é uma questão sensível para o Governo e para a Associação Médica, mas também para todos os profissionais de saúde e, acima de tudo, para o utente e usuário dos serviços de saúde e da população no geral.

Reconhece, igualmente, que o MISAU está a implementar um plano de contingência para remediar os impactos negativos da greve, o que por si só é um sinal positivo e mostra que o Governo em, contextos de crise, consegue reinventar-se para fazer face aos problemas que vão surgindo.

“No entanto, este plano apresenta lacunas na medida que não vem resolver todos os problemas”, concluiu.

Paralisação de Actividades é Prejudicial para Utentes

Aquando do primeiro anúncio da greve por parte destes profissionais, que estava prevista para o dia 07 de Novembro, o OCS entrevistou o vice bastonário da Ordem dos Enfermeiros, que argumentou que a paralisação das actividades não é benéfica para ninguém, uma vez que prejudica os utentes e usuários do Sistema Nacional de Saúde (SNS).

De acordo com o vice-bastonário, as negociações entre o Governo e a Associação dos Médicos devem ser guiadas por um espírito mútuo de compreensão, através de uma permanente partilha de informação.          

“Deve haver diálogo e compreensão mútua para uma boa comunicação entre as partes, assim como deve-se ser claro na apresentação de propostas”, disse Guambe, sublinhando que a tolerância é crucial para que surja um acordo benéfico para todos.

“Este é um exercício de ponderação. Há que se levar a cabo um  debate, todas as partes interessadas devem manifestar abertura. Não se ganha nada com a paralisação das actividades porque o SNS é que sai destruído”, disse a fonte, acrescentando que “se a greve entrar em vigor vai comprometer o funcionamento e a qualidade das instituições de saúde.”

Assim sendo,  Grácio Guambe defende que se deve continuar a defender um sistema de saúde universal, em que todas a pessoas são assistidas e que as oportunidades e os recursos existentes sejam para todos, sem se deixar ninguém para trás.”

 É preciso, argumenta Guambe, que o acesso universal à saúde observe a forma com que os servidores do sector são tratados, respeitando-se as funções, as categorias e as competências profissionais de cada um “pautando-se por um bom mecanismo salarial dentro da função pública.”

Questionado sobre como as partes devem chegar a uma luz-verde, o vice-bastonário apontou para a confiança mútua como saída, argumentando que a comunicação social, por sua vez, deve pautar  “pela imparcialidade na forma como trata este assunto da greve, esclarecendo equívocos e eliminando falsas informações. Todos temos como contribuir para o bom funcionamento do sistema.”                           

“A greve, como sempre, não constitui a melhor forma de fazer valer os direitos, deve-se investir no diálogo e na comunicação entre as partes”, sublinhou.

Guambe disse ainda que enquanto a Ordem dos Enfermeiros for um órgão responsável pela promoção da dignidade técnico-profissional e boas condições de trabalho, nunca observará a greve como a melhor forma de fazer valer os direitos, por isso “deve-se  investir no diálogo e na comunicação entre as partes. O país é grande  para aceitar um problema como este.”

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