
A Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM) – em representação dos enfermeiros, serventes, condutores de ambulâncias e trabalhadores da morgue – acusam dirigentes de algumas unidades hospitalares de estarem a intimidar os seus membros que estiveram envolvidos na última greve havida no sector da saúde, suspensa há aproximadamente três semanas em resultado das negociações com o Governo para a resolução das inquietações levantadas pela classe.
De acordo com a porta-voz da APSUSM, Rosana Zunguze, apesar de a greve ser um direito constitucional, há directores e dirigentes de algumas unidades sanitárias que marcaram faltas aos profissionais durante a vigência da grave. Por conta das faltas em questão, os salários dos grevistas estão a ser descontados.
Para além do desconto salarial, outros dirigentes hospitalares, manifestando a arrogância e a intimidação, ameaçam transferir os grevistas para zonas recônditas sem que haja razão para tal.
Para a porta-voz da APSUSM, estas atitudes não constituem orientação do Ministério da Saúde (MISAU) senão vontade de alguns directores que, na intenção de bajular os seus superiores hierárquicos, acreditam que, ao sancionar os profissionais envolvidos na greve, serão promovidos.
“Querem ser vistos pelos seus superiores como bons samaritanos, mesmo que para tal tenham de atropelar a lei e constranger os colegas. Nós, às vezes, somos obrigados a mandar documentos a justificar que a greve é um direito, daí que não há razões para se sancionar os aderiram à mesma”, a porta-voz disse, acrescentando “a própria lei mãe abre espaço para que os grevistas não sejam vistos como faltosos. Por isso, não percebemos o porquê de estarem a complicar a vida dos colegas, sendo que a greve é um direito plasmado na Constituição da República”.
Para Zunguze, o comportamento dos gestores hospitalares visa intimidar os profissionais para que das próximas vezes não adiram à greve.
Mais adiante, a porta-voz revelou ainda que os membros da APSUSM têm recebido notificações informais para que se façam ao posto policial de modo que prestem declarações sobre o seu envolvimento na greve , que consistiu na paralisação das actividades nos postos de saúde, em todo o país.
“Esta é uma forma de intimidar os colegas. Estes receberam a mensagem, mas chegados ao posto policial, ninguém compareceu. O oficial permanente acabou dispensando-os, aconselhando que ficassem à espera de uma intimação por escrito da tal”, contou.
A porta-voz lamentou o facto de alguns colegas seus estarem a agir desta forma, “sendo que a luta pela justiça salarial visa beneficiar a todos, melhorar as condições de trabalho da classe, assim com as condições de atendimento aos pacientes.”

Governo promete rever salários a partir deste Setembro
Num outro desenvolvimento, em relação aos progressos alcançados em torno das negociações, Zunguze afirmou que, no que diz respeito à justiça salarial, está em curso a simulação de possíveis salários, consoante a disponibilidade financeira do governo.
Apesar de a proposta não ser ideal, a APSUSM acolhe-a tendo em conta que o seu objectivo não é fazer greve, senão alcançar consenso em relação às suas preocupações, um salário que dignifica o profissional de saúde.
“Na verdade, o nosso objectivo não é fazer greve. Acabamos criando, como forma de chamar a atenção do Governo, as mínimas condições para o nosso trabalho e atendimento aos nossos pacientes”, vincou.
Neste contexto, segundo a porta-voz da APSUSM, o Governo garantiu que, a partir mês em curso, haverá melhoria salarial.
“Esperamos que não passe de uma mera promessa para beliscar o curso saudável que as negociações estão a conhecer”, disse.
Relativamente às condições de trabalho, Zunguze garantiu que parte de material já começou a ser disponibilizado, sendo que, nesta primeira fase, prioriza-se hospitais de referência para depois descer-se até ao nível dos centros de saúde e unidades sanitárias que se encontram em zonas mais recônditas.
A título de exemplo, o Governo, através do Ministério da Saúde, procedeu, no passado dia 5 do mês em curso, a entrega de diversos equipamentos ao Hospital Central de Maputo (HCM).
O material entregue – constituído por 8 mesas operatórias, 5 candeeiros cialiticos, 2 aspiradores, 10 electro-coaguladores, 5 aparelhos de anestesia, 15 monitores multiparâmetros e 10 monitores de sinais vitais – visa garantir a qualidade do funcionamento dos Blocos Operatórios do HCM.
O Hospital Central de Maputo recebeu, igualmente, diversos kits cirúrgicos para casos de amputação, cesariana, herniorrafia, laparotomia e histerectomia.
“Como Governo e como sector de tutela, a nossa expectativa é de que estes equipamentos hospitalares tenham um impacto positivo nos indicadores hospitalares, particularmente na redução da mortalidade hospitalar”, disse o ministro da Saúde, Armindo Tiago, aquando da entrega do material.
No entanto, a APSUSM afirma que ainda há muito por se fazer para melhorar as condições de trabalho, sendo crucial que o executivo cumpra, cabalmente, com os compromissos assumidos.
A disponibilidade de medicamento, outro problema que levou a classe a reivindicar, tem vindo a melhorar nas unidades sanitárias, de acordo com as visitas efectuadas pelo Observatório para Saúde (OCS) às principais unidades hospitalares na capital do país, logo após à suspensão da greve naquele sector.
“Agora está-se a satisfazer os maiores hospitais, os de referência. Depois disto, olhar-se-á para outras unidades, as mais recônditas. O doente é frequentemente transferido por falta de condições hospitalares. Então, a luta é mesmo esta. Nós vamos esperar, pois o Governo diz que não é possível fazer tudo ao mesmo tempo”, disse a porta-voz.
Entretanto, caso o Governo não cumpra com os acordos traçados, a APSUSM ameaça retomar a greve.
Utentes falam de melhoria no atendimento
O Observatório do Cidadão para Saúde visitou, nesta segunda-feira, algumas unidades hospitalares e centros de saúde da Cidade de Maputo, para monitorar a prestação dos serviços de saudade, após a retoma das actividades.
Há aproximadamente três semanas que os médicos e restantes profissionais de saúde colocaram um fim à greve que abalou o Sistema Nacional de Saúde (SNS) por mais de 45 dias. A interrupção da grave vigora até dia 05 de Novembro do ano em curso, e, durante este período, os profissionais de saúde procuram alcançar consenso na mesa de negociações com o Governo.
Durante a monitoria feita pelo Observatório do Cidadão para Saúde (OCS) ao Hospital Geral de Chamanculo e aos Centros de saúde da Malhangalene e 1˚ de Maio, os pacientes foram unânimes em afirmar que os serviços de saúde melhoram bastante em comparação ao período da grave, em que o atendimento era praticamente inexistente.
“O atendimento, nesses dias, tem sido bom, começaram a atender. No período da grave estava tudo muito complicado, não te deixavam baixar. Da última vez que cá estive, mandaram-me voltar a casa. Agora já está tudo normal,” disse Olícia Machava, uma das utentes interpeladas no Hospital Geral de Chamanculo.

Olícia Machava
Por seu turno, Leandra Cumbane, entrevistada igualmente no Chamanculo, disse que chegou ao posto às primeiras horas da manhã e até às 11 já tinha sido atendido. Para ela, o atendimento foi bom, sem muito motivo para queixas.
“Consegui ter quase todos comprimidos aqui na farmácia do hospital. Falta um, que comprarei fora. É uma grande melhoria porque há vezes que nenhum dos medicamentos receitados se consegue adquirir dentro do hospital”, reiterou Leandra Cumbane.

Leandra Cumbane
Outro paciente entrevistado, no centro de saúde da Malhangalene, chama-se Dinis Chau que, à semelhança doutros entrevistados, classifica o atendimento pós-greve como tendo bastante melhorado.
“Agora está bem melhor do que vinha acontecendo no tempo da greve, estamos a ser bem tratados do que antes. Era chato, pois as pessoas não tinham acesso aos serviços de saúde. Cheguei a pouco tempo, e a minha filha já está lá dentro a ser atendida. Os medicamentos estão disponíveis, ao passo que na época da greve não era fácil obtê-los”, frisou.
Ainda no centro de saúde da Malhangalene, a equipa do OCS falou com Juvêncio Guambe, que afirmou que “eles estão a ser flexíveis. Estava uma pessoa grave aqui, mas foi atendida. As coisas mudaram desde a interrupção da grave, profissionais de saúde voltaram atender normalmente, sem muitos problemas”, afirmou.

Juvêncio Guambe
“Está tudo normal, por exemplo, aqui na ala dos adultos, o atendimento é rápido. Lá do outro lado, na ala das crianças, estão a ser um pouco lentos, mas o atendimento está normal em comparação aos tempos da greve, melhorou muita coisa” concluiu Lina Sigauque, outra paciente entrevistada pelo OCS.

Lina Sigauque