A greve dos médicos, anunciada pela Associação Médica de Moçambique (AMM), continua a lesar os usuários do Sistema Nacional de Saúde (SNS), principalmente as populações mais desfavorecidas e residentes em zonas recônditas. As consequências da greve, que se faz sentir já há um mês, são evidentes em quase todo o país, numa altura em que prevalece o braço de ferro entre os classe médica e o Governo, representado pelo Ministério da Saúde (MISAU).

Perante as ameaças do governo sobre a demissão/e ou substituição dos médicos faltosos no âmbito das manifestações, grande parte dos grevistas continua firme sobre a paralisação das actividades, alegando que mesmo diante das ameaças não recuará.

A contestação dos médicos reside na melhoria das condições de trabalho, justiça salarial e pagamento de horas extraordinárias. Aliás, no último sábado, no contexto da greve, os médicos puseram-se em marcha para enfatizar a sua mensagem sobre a melhoria das condições de trabalho, disponibilização de medicamentos para os pacientes, assim como para a disponibilização de material médico-cirúrgico e outras condições cruciais para um profícuo funcionamento das unidades sanitárias em todo o país.

Na marcha, os médicos também exigiram a disponibilização de comida, água e energia eléctrica nos hospitais, tendo em conta que estes constituem factores essenciais para o normal funcionamento das unidades hospitalares e recuperação dos pacientes.

“Não faz sentido que os hospitais não tenham material e medicamentos para os pacientes. Mas, infelizmente, aparecem alguns chefinhos afirmando que não falta nada. Esta manifestação é um ‘basta’ à insensibilidade, ao improviso, às intimidações”, disse o presidente da AMM, Milton Tatia.

A marcha centrou-se igualmente na refutação da revisão do Estatuto dos Médicos. Com a revisão do estatuto, o governo pretende reduzir o subsídio do trabalho em regime de turnos, dos actuais 30% para 7,5%, no âmbito da Tabela Salarial Única (TSU) em vigor na Administração Pública desde Outubro de 2022.

Na proposta do Ministério da Saúde, submetida ao Gabinete do Primeiro Ministro, o Executivo diz que a revisão clarificará a modalidade de trabalho extraordinário, tendo em conta que o médico e o médico dentista não exercem actividades no horário normal de expediente, mas em serviços especiais que, pela sua natureza, são ininterruptos.

Neste contexto, o Governo quer passar a pagar horas extraordinárias aos médicos e médicos dentistas que trabalham acima da carga horária no regime de trabalho regulamentar ou turnos. A proposta do Governo prevê ainda que a prestação de horas extraordinárias é remunerada de acordo com o horário correspondente ao vencimento do médico e médico dentista, podendo ultrapassar 1/6 do vencimento do seu nível salarial, isto é, 16,6% do salário base do funcionário.

Assim sendo, o Governo propõe baixar o teto previsto no actual Regulamento, que prevê um subsídio que pode ultrapassar 1/3 do salário mensal dos médicos, que é de 33,3%.

Por outro lado, o Executivo pretende alterar de quatro para dois os momentos para o pagamento do subsídio de diuturnidade especial, para adequá-lo ao artigo 28 da Lei nº 25/2013, que aprova o Estatuto do Médico na Administração Pública, que considera que “o regime de diuturnidades fixado para a Função Pública em geral é também extensivo aos médicos e médicos dentistas”.

A AMM, para além de exigir a anulação da proposta, diz que o documento tem um altíssimo grau de insensibilidade por parte do Governo e que se trata de um grande insulto, não só aos médicos, mas também à história do país, alegadamente porque o estatuto em vigor foi aprovado depois de duas grandes greves havidas em 2013. Aliás, o governo pretende anular um instrumento antes mesmo de garantir a sua implementação cabal.

Na concepção do Observatório Cidadão para Saúde (OCS), a submissão desta proposta ao Gabinete do Primeiro-Ministro constitui evidência de que o Governo pouco se preocupa com o povo, visto que cria mais descontentamento ao invés de resolver os problemas que se fazem sentir actualmente, alongando a greve dos médicos e prejudicando, em última instância, os utentes – principais vítimas da paralisação de actividades.

Perante este braço de ferro instalado entre as partes, o atendimento nas unidades sanitárias está cada vez mais a tornar-se um caos, caracterizando-se por longas filas e morosidade no atendimento, tal como reportou o OCS na semana passada (https://www.observatoriodesaude.org/com-a-prorrogacao-da-greve-dos-medicos-usuarios-do-servico-nacional-de-saude-sentem-se-abandonados-pelos-medicos-e-desrespeitados-pelo-governo/).

Para o OCS, deve haver bom senso entre as partes, principalmente por parte do Governo, para que a greve cesse o mais rápido possível e os utentes voltem a ter assistência nas Unidades sanitárias sem os actuais constrangimentos. 

AMM alega preocupar-se com o povo apesar da greve

Por seu turno, a Associação Médica de Moçambique diz que a sua luta não é contra o pacato cidadão, principal vítima da paralisação de actividades. Ou seja, afirmam os médicos, a paralisação de actividades visa pressionar o Governo para que imediatamente responda às inquietações patentes no caderno reivindicativo.

Como forma de mostrar preocupação pelo povo, esta classe organizou, esta terça-feira em Maputo, uma feira de saúde, que, no entanto, foi interrompida por agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM). A atitude da polícia instigou ainda mais a indignação dos médicos,  uma vez que se tratava de uma feira que teve aval das autoridades municipais.

De acordo com a associação, a feira de saúde pretendia evidenciar que os médicos solidarizam-se com o sofrimento dos utentes e doentes, estando apenas a reivindicar melhores condições de trabalho, mais recursos para o diagnósticos e tratamento dos próprios pacientes, assim como os seus direitos como classe.

Na feira organizada pela AMM, estavam disponíveis serviços, tais como: rastreio de diabetes e hipertensão, rastreio de doenças da próstata, bem como da boca, testagem de HIV, hepatite e sífilis, educação nutricional e serviços de doação de sangue.

Renamo acusa Governo de ser Arrogante na gestão da greve

O Presidente da Renamo, maior partido da oposição em Moçambique, Ossufo Momade, pronunciou-se esta terça-feira sobre a greve, afirmando que a mesma resulta da arrogância e incapacidade do governo em dialogar com os médicos para pôr fim a esta situação.

De acordo com Momade, o Governo tem-se mostrado totalmente desnorteado e alheio ao sofrimento dos cidadãos que diariamente procuram o atendimento hospitalar.

“É grave e preocupante que, ao invés de o Governo resolver os problemas dos médicos e de toda classe de profissionais da Administração Pública, esteja a promover ameaças e intimidações contra aqueles médicos que, em tempo da Covid-19 e outras enfermidades, colocaram em risco a própria vida  para salvar a vida dos cidadãos”, sublinhou.

A Renamo, através do seu Presidente, manifestou o seu descontentamento com o facto de o Governo ameaçar a revogação do Estatuto do Médico, assim como a expulsão dos Médicos da Função Pública.

“Trata-se de um grave erro de estratégia governativa pensar que as ameaças resolverão os graves problemas do Sistema Nacional de Saúde, desde a falta de medicamentos, a falta de condições  mínimas de trabalho, assim como insuficiência salarial”, disse Momade, adiantando que o médico deve ter uma disposição física e  mental inabalável para cumprir a sua nobre missão de salvar vidas.

“É lamentável convencer-se que os problemas nacionais só podem ser resolvidos por estrangeiros. Estamos a hipotecar da nossa soberania e isto mostra o fim Partido no poder”, sublinhou.

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