
A chuva torrencial, que se tem feito sentir nos últimos dias na região sul do país, associada à abertura de comportas na vizinha Africa do Sul e no Reino de Eswatini, provocando, deste modo, a subida do nível do caudal das águas do rio Incomati e Umbeluzi, está a causar grandes impactos negativos na vida das populações. Várias famílias perderam seus bens, incluindo animais domésticos, residências e plantações. Ou seja, as residências ficaram totalmente inundadas, incluindo eletrodomésticos, mobília e outros utensílios.
Dados divulgados esta terça-feira pelo Presidente da República apontam para 39.225 pessoas afectadas, correspondentes a 7.845 famílias, sendo que mais de 21 mil estão concentrados na cidade de Maputo e 18.010 pessoas na província de Maputo.
O distrito de Boane, na província de Maputo, com cerca de 13 mil pessoas, foi o mais afectado, sendo que os restantes se distribuem pelos distritos de Manhiça, Magude, Namaacha, Matutuine e Moamba.
Ainda de acordo com a informação avançada pelo Chefe do Estado, na cidade e província de Maputo, registou-se a destruição parcial de 28 casas, 3 casas totalmente destruídas, e 7.612 casas inundadas.
As infra-estruturas de saúde não escaparam à fúria das águas, tendo sido um dos sectores que mais sofreu com as calamidades naturais, cuja frequência tem aumentado nos últimos anos. Os fenómenos naturais, conforme lembrou Filipe Nyusi, originam traumas físicos, psicológicos, assim como o aumento de casos de malária e de doenças diarreicas, incluindo a cólera.
Em relação à cólera, desde Setembro de 2022, altura em que o surto eclodiu, até o dia 13 de Fevereiro, foram notificados 4.400 casos, dos quais 3.869 foram reportados em 2023. No mesmo período, foram registados 32 óbitos, dos quais 24 em 2023.
O número de distritos afectados pela cólera aumentou, na última semana, para 26.
No que diz respeito à malária, no último trimestre de 2022 foram registados cerca de 2.9 milhões de casos, contra 2.2 milhões em igual período do ano 2021. No mesmo período, o número de óbitos aumentou de 71 para 83. De Janeiro até o presente momento, foram registados cerca de 1.4 milhões de casos e 35 óbitos por malária. O estadista fez saber que o sector de saúde está a implementar um plano de mitigação e resposta para doenças prevalecentes na época chuvosa, com particular destaque para doenças diarreicas, cólera e malária.

SITUAÇÃO NO TERRENO
No entanto, o Observatório Cidadão para Saúde (OCS) constatou, no terreno, numa visita efectuada a cinco centros de acolhimento das vítimas das enxurradas, na vila de Boane, a falta de assistência médica para as populações afectadas.
Tomemos como exemplo o centro instalado na Escola Primária 3 de Fevereiro, em Campuane Povoação, que não possuía nenhum profissional de saúde para assistir às vítimas, mesmo tendo-se a urgência da assistência por conta dos aglomerados. Constatou-se igualmente a ausência de activistas comunitários de saúde e Agentes Polivalentes Elementares (APE’s), entidades bastante cruciais para a prestação de ajuda às populações.
Naquele centro, o OCS observou que cerca de 77 famílias haviam sido acolhidas, entre crianças, jovens, homens e mulheres, incluindo mulheres grávidas. Estas pessoas careciam de condições sanitárias para a higiene pessoal. Conforme explicou o líder comunitário de Campuane Povoação, José Chacate, os sanitários da Escola Primária 3 de Fevereiro não podiam ser usados porque não tinham aprovisionamento de água e, em caso de necessidades básicas, as famílias no local deslocam-se às suas residências, embora alagadas, para o efeito de banho e outras necessidades biológicas.
“Reconhecemos que as condições em que nos encontramos, com a falta de sanitários, abre espaço para a contaminação por várias doenças. Mas não temos outra opção. Temos uma mulher grávida que precisa de cuidados primários, mas não temos nenhum médico. Para termos alimentos, dependemos do centro de acolhimento de Campuane Aldeia. Neste momento, completaremos 24 horas sem termos bebido água”, sublinhou.
Por seu turno, Alzira Eduardo, uma das mulheres grávidas, acolhida no centro de 3 de Fevereiro, disse que devia haver um profissional de saúde por perto para qualquer eventualidade, ainda mais tendo-se em conta o estado avançado que a sua gravidez se encontra, 8 meses.

Outros centros estão instalados nas Escolas Secundária Eng. Filipe Jacinto Nyusi, em Campuane, Secundária Joaquim Chissano, Secundária de Boane e a Primária Completa de Mabanja, estes na vila de Boane.
Em média, os centros de acolhimento albergam cerca de mil pessoas. À semelhança do centro de acolhimento de 3 de Fevereiro, na Escola Secundária de Boane, também não havia nenhum profissional de saúde, sendo que, em caso de algum problema necessitando de assistência, as famílias deviam deslocar-se até à Secundária de Joaquim Chissano, onde o Instituto Nacional de Saúde (INS) posicionou uma clínica móvel, para além de o pessoal do Ministério da Saúde e da organização não-governamental Fundação Ariel, prestarem assistência necessária.
O centro da Escola Secundária Eng. Filipe Jacinto Nyusi, ao que o OCS constatou, era o único que apresentava as condições mínimas para a prestação dos primeiros cuidados de saúde aos afectados.
Os restantes centros de acolhimento, apesar de também terem profissionais de saúde, não estavam em número suficiente para fazer face à demanda das famílias deslocadas. Igualmente, constatou-se que havia falta de medicamentos básicos e outros insumos de saúde.


“Temos quase tudo, não posso negar. Não nos falta comida, onde dormir, embora estendemos as nossas capulanas, precisamos de redes mosquiteiras, assim como antidiarreicos para nos prevenir das doenças”, disse Manuel Cabinde, umas das vítimas das cheias e morador do bairro Campuane.
Aliado a este problema, a falta de medicamentos constitui outro constrangimento. Anastácia Cabral é uma das vítimas que ficou afectada pela situação, “pois um dos meus filho sentiu-se mal e quando levado para a assistência, os profissionais informaram-lhe que não havia fármacos e que devia esperar até que fossem disponibilizados pelos serviços distritais de saúde.”
URGE UMA PLANIFICAÇÃO INTEGRADA
Sobre estas constatações, o OCS concluiu, em primeira instância, que o país não possui um plano de contingência eficaz, porque em todos os anos, estes fenómenos afectam as pessoas de igual forma.
As lições do passado deviam servir de aprendizado e modelo para evitar situações piores como as que se fazem sentir actualmente. Por outro lado, é urgente uma planificação sectorial para mitigar estas situações.
A construção de infraestruturas em zonas de risco, mostra, igualmente, a falta de intervenção do Governo, pois todo tipo de empreendimento erguido, em qualquer zona, precisa de autorização.
Não faz sentido que uma infraestrutura seja levantada nestas zonas e depois se diga que a mesma não devia ter sido construída. Onde andam as autoridades antes da construção das habitações?
Em Moçambique, os desastres naturais são cíclicos e, em quase todos os anos, as zonas afectadas são as mesmas. O facto de termos as mesmas pessoas a sofrerem pelos mesmos problemas, incluindo a perda de vidas humanas, representa a inexistência de um plano de contingência capaz de responder a estas situações. Para o OCS, a planificação integrada pode ajudar a mitigar os impactos catastróficos destes fenómenos.