
O Observatório Cidadão para Saúde (OCS), no contexto de monitoria em prol da melhoria na provisão dos serviços públicos de saúde, tomou conhecimento da existência, no país, de medicamentos do tipo paracetamol, em estado impróprio para o consumo humano.
A existência destes fármacos foi divulgado pela Afri Farmácia, empresa importadora e distribuidora de medicamentos e material hospitalar em Moçambique.
No seu comunicado, enviado às autoridades sanitárias, a empresa refere que “no âmbito do processo de Farmacovigilância, identificou-se três lotes de comprimidos paracetamol de 500mg do fabricante Bharat Parenterals Limited-Índia, com as referências B1T0049A1, B1T0069A1 e B1T0027A1 com alterações organoléticas”.

Segundo a instituição, o fármaco em causa foi distribuído nas cidades de Maputo, Beira e Nacala, havendo, entretanto, possibilidades de o mesmo ter chegado a outros pontos do país.
Na nossa concepção, esta situação evidencia a fragilidade das instituições do Estado no que diz respeito ao controlo da qualidade dos produtos que dão entrada ao país, tendo em conta a sua circulação e distribuição.
De acordo com o nº1 do artigo 5, da Lei 12/2017 de 8 de Setembro, “O Estado assegura a qualidade de medicamentos, das vacinas, dos produtos biológicos e de saúde de uso humano, em circulação no país, através de um sistema de garantia de qualidade que integra o registo, a inspecção farmacêutica, a farmacovigilância, o Laboratório Nacional de Controlo de Qualidade de Medicamento e outros mecanismos internacionalmente aceites”.
Ainda de acordo com a lei 12/2017, no nº 1 do artigo 7, compete a Autoridade Nacional Reguladora de Medicamentos (ARENE) regular, supervisionar, fiscalizar vacinas e produtos biológicos de uso humano e de saúde. Compete, igualmente, a ARENE controlar a qualidade dos medicamentos em circulação no país, bem como organizar e realizar a inspecção farmacêutica.

Assim sendo, o facto de estes medicamentos terem entrado no país – distribuídos pelos Centros de Saúde e receitados aos pacientes, sem que se tivesse observado que eram impróprios para a sua administração e consequentemente consumo humano – significa que o Estado descurou a sua responsabilidade na supervisão destes medicamentos.
Ademais, a situação torna-se mais grave pelo facto de este não ser o primeiro caso em que se regista, no mercado moçambicano, a circulação de produtos farmacêuticos inapropriados para o uso humano. Desta feita, a ineficiência das instituições do Estado torna-se redundante e, por isso, preocupante.
Não se justifica que os produtos passem por várias verificações, incluindo pelo Laboratório Nacional de Controlo de Qualidade, sem que a anomalia tivesse sido detectada.
Aliás, o vice-ministro da Saúde, Ilesh Jani, admitiu que ainda que seja verificada a qualidade dos medicamentos à entrada no país, o processo não é infalível.
“Existe controlo da qualidade a vários níveis. Há processo de controlo de qualidade na produção do próprio medicamento, no processo de importação do medicamento, mas nenhum desses processos é infalível. É, por isso, que existem também mecanismos de controlo de qualidade após o medicamento estar em circulação”, afirmou Jani.

Esta afirmação, nas palavras do vice-ministro, leva-nos a reafirmar a necessidade de o Governo fazer cumprir a lei, seguindo todas as etapas de importação de fármacos, como forma de evitar que situações similares ocorram com frequência no país, colocando em risco a saúde de muitos moçambicanos.
Para que casos do género não tenham espaço, Observatório Cidadão para Saúde defende a necessidade de se elaborar um plano imediato para a retirada destes fármacos do mercado, repondo-se, em seguida, medicamentos em bom estado de utilização nas unidades sanitárias abrangidas, visto que são cerca de 80% das mais de 1.500 unidades sanitárias existentes no país que dependem de kits de saúde.
EFEITOS COLATERAIS DESCONHECIDOS
Uma outra questão que se coloca, relativamente a este assunto, é sobre as consequências que o consumo destes medicamentos pode causar em pacientes que já teriam enjerido os fármacos em debate.
Para Jani, os efeitos colaterais são desconhecidos, o que significa não se sabe o que poderá acontecer com as pessoas que tenham consumido o medicamento.
Trata-se de uma resposta ainda mais preocupante, primeiro porque como a principal autoridade sanitária em Moçambique, o Ministério da Saúde (MISAU) devia ter apresentado um protocolo para monitorar as pessoas que teriam enjerido estes fármacos para que se evite que estejam em risco de vida.
Para o Observatório Cidadão para Saúde, o MISAU deve identificar os pacientes que tenham ingerido o paracetamol em causa, assim como elaborar algumas recomendações para evitar qualquer efeito adverso. Ou seja, há que se tranquilizar os pacientes, caso não haja algum risco de saúde.
Na tentativa de trazer respostas sobre o número de kits já recolhidos nas Unidades Sanitárias abrangidas, bem como o plano de reposição dos mesmos, o OCS entrou em contacto, por duas vezes, com a Afri Farmácia, sendo que esta ficou de responder, mas sem sucesso.
O Governo lançou, recentemente (2023), uma ferramenta de gestão da logística de medicamentos e produtos de saúde (denominado m-simam), esperando-se que o mesmo tenha um impacto positivo na cadeia de abastecimento.
“Este sistema vem facilitar todo o processo de obtenção de informação para melhorar os nossos processos de gestão. Esta plataforma foi desenvolvida com vista a responder à logística farmacêutica. O que nós queremos é garantir a visibilidade efectiva e a rastreabilidade dos dados do consumo e de gestão a tempo real, em todos os níveis da cadeia de abastecimento, perspetivando um modelo operacional optimizado, suportado por tecnologias modernas”, sublinhou Ilesh Jani. O OCS congratula o Governo pela plataforma e espera que a mesma solucione o problema existente na gestão de fármacos, garantindo o bem-estar dos consumidores.