Quando se envolveu em activismo comunitário, Amélia Uamba – carinhosamente tratada por Mamã Amélia – não pensou que pudesse assistir, desesperadamente, a morte de pessoas em suas mãos. Ela nunca imaginou que pudesse lidar directamente com indivíduos com tuberculose, assim como não imaginara que pudesse exercer um papel crucial na vida de os que vivem com HIV e tuberculose.

Em 2008 – quando se juntou ao activismo em prol da saúde do doente crónico –Amélia tinha apenas 40 anos de idade. Passados 13 anos, ainda é vigorante a sua vontade de salvar vidas. Não se deixa desanimar pelas complexas circunstâncias que caracterizam o activismo comunitário.       

“O nosso maior desafio reside no facto de lidarmos com pessoas extremamente doentes, indivíduos acamados e sem forças para levantar. Já estivemos em situações em que um paciente, a caminho da unidade sanitária, perde a vida”, revela Amélia, esboçando uma expressão grave com a testa.

Uma vez que a boca e o nariz escondem-se por detrás de uma máscara contra a Covid-19, a sua voz de Mamã Amélia faz-se sentir com certas limitações, mas o conteúdo das palavras é bem nítido.

“Passado um tempo, conseguimos algumas macas que nos passaram a facilitar o trabalho. Os doentes de HIV e tuberculose já não morriam em nossas mãos. Passámos a levá-los directamente ao hospital, não mais os levávamos ao nosso colo”, acrescenta a activista.

De acordo com Mamã Amélia, outro desafio inquietante para o activista reside na inexistência de bens alimentícios para se oferecer aos doentes crónicos que  na sua maioria padecem de fome.

“Chega-se a visitar um doente que não tem comida, mas, mesmo assim, tem que se aconselhar o mesmo doente a medicar, mas para se medicar, é necessário que se coma alguma coisa. É fácil desistir do tratamento quando não se tem comida. Na maior parte das vezes, não temos nada para oferecer aos pacientes, por isso fica difícil salvar vidas”, afirma a activista.

Amélia Uamba – que ao longo do seu activismo já assistiu mais de 800 doentes diagnósticados com tuberculose e incontáveis doentes com  HIV – assume que não faz sentido aconselhar um faminto a tomar medicamentos.

“Tentar ajudar pessoas famintas é uma tristeza. Por isso, quando nos sensibilizamos com a condição do doente, somos obrigados a oferecê-lo o único dinheiro de transporte que nos resta e, consequentemente, pomo-nos a percorrer longas distâncias a pé”, afirma a activista.

Para se minimizar a condição do doente crónico, Amélia Uamba defende a urgência de o governo – através das suas instituições e ministérios – melhorar a condição de alimentação do doente crónico.

“Por mais que estes façam devidamente o tratamento, sem alimentação não melhorarão. Pelo contrário, morrerão porque esta medicação é pesada”.

Mamã Amélia é membro da Associação Hixikamwe (expressão em changana que em português significa Estamos Juntos). A mesma associação localiza-se nos subúrbios da Cidade de Maputo, ao passo que Mamã Amélia é residente da zona municipal da Matola, no bairro da Liberdade. Todos os dias, ela desperta às 04 horas da manhã para se fazer presente aos escritórios da sua Associação em Malhazine. Às vezes, faz-se ao trabalho sem saber a que horas regressar a casa.

“Às vezes, não tenho horas de saída porque trabalhamos com todo o tipo de gente. Há dias em que nos surgem médicos tradicionais com seus pacientes. Outros doentes crónicos (principalmente os de HIV e tuberculose) tendem a esconder as suas enfermidades dos familiares e dos vizinhos, por isso fazem-se aos nossos escritórios no período nocturno, não querem ser vistos. Eles autocensuram-se; os de costas-quentes querem falar connosco secretamente, sem que haja muita gente”, revela Mamã Amélia. 

Pacientes Torturam-se Silenciosamente

As casas de banho mantêm-se fechadas e os utentes são obrigados a fazer as necessidades em lugares impróprios …”

Nas unidades sanitárias, segundo a fonte, os profissionais de saúde, às vezes, criam barreiras para que os activistas não exerçam livremente as suas actividades.

“Muito recentemente, recebemos informações negativas sobre o funcionamento das unidades sanitárias: os profissionais trabalham desordenadamente, não respeitam os utentes e não priorizam os que chegam cedo ”, afirma Amélia, acrescentando que os profissionais “trabalham bem quando policiados por alguém que tenha capacidade de reportar os maus tratos a entidades superiores.”

“Tenho presenciado várias atrocidades nas unidades sanitárias: os profissionais abrem e encerram as unidades a hora que lhes apetece, abandonam o posto antes da hora prevista… as casas de banho mantêm-se fechadas e os utentes são obrigados a fazer as necessidades em lugares impróprios. Os pacientes são ameaçados pelos profissionais de saúde, por isso autocensuram-se… os profissionais dizem-se donos dos hospitais; os pacientes não contestam porque temem represálias e rejeições… os pacientes torturam-se silenciosamente, pensando o seguinte: é melhor não contestar para ser atendido/ ou se falar, atender-me-ão mal”, denuncia a activista.

A activista defende a necessidade de se criar uma classe profissional responsável pela supervisão dos serviços prestados nas unidades sanitárias. Existindo a classe em alusão, sublinha a fonte, mitigar-se-ia a corrupção e a desordem no atendimento ao público.

“Todos os hospitais públicos deviam ser supervisionado. Os supervisores seriam indivíduos à paisana que, detalhadamente e de forma secreta, acompanhariam as actividades dos profissionais. Em seguida, os mesmos supervisores fariam o levantamento dos problemas de cada unidade sanitária para, posteriormente, apresentarem-nos a entidades superiores do sector da saúde, para que estas arranjem fortes respostas ao problema que se apresenta”, argumenta.

Do ponto de vista de Mamã Amélia, o hospital – em termos de fiscalização – não se devia diferir do posto policial.

“Da mesma forma que o polícia comparece à formatura às primeiras horas do dia, o profissional de saúde também devia comparecer à formatura hospitalar… com a fiscalização, os profissionais lembrar-se-iam que estão na unidade sanitária para servir às pessoa. A fiscalização, ou supervisão, acabaria com a privatização da coisa pública”, sentencia a fonte.

A contínua ausência de medicamentos nas unidades sanitárias seria igualmente minimizado se houvesse supervisão hospitalar, argumenta a activista, lamentando o facto de “existir muitos pacientes que desistem do tratamento, por nunca acharem os medicamentos que procuram no posto de saúde. Os utentes recorrerem sempre a farmácias privadas. Existe um sistema de corrupção que rouba os medicamentos públicos.”

“Temos que resolver este dilema. Alguém de direito deve intervir”, chuta a entrevistada.

Com a mão no queixo, em busca de acontecimentos que se acomodam na memória, Mamã Amélia conta-nos um episódio tremendo que lhe sucedeu há mais de cinco anos. Ela regressava a casa quando, às 11 horas da noite, deparou-se com um grupo de malfeitores, munidos de instrumentos contundentes. Estava tudo às escuras, mas as catanas que os homens agarravam eram visíveis.            

“Ninguém se escapa dos bandidos. Deparei-me com aqueles homens-catana. Felizmente, passaram por mim misteriosamente, não me exigiram qualquer coisa que fosse. Tive muita sorte. Uma sorte superior ao medo que sentia. Por encerrarmos tarde as nossas actividades, somos, de vez em quando, expostos a momentos complexos semelhantes a este”, afirma a activista.

Covid-19 Surpreende Jovens e Adolescentes Portadores de HIV                   

“Aperceberam-se que estar na unidade sanitária não é seguro…”

Quando eclodiu a pandemia da Covi-19, Mamã Amélia estava a trabalhar com um grupo de adolescentes e jovens HIV-positivos. Ela sensibilizava-os para que não desistissem de tomar o medicamento, por conta das restrições impostas pela Covid-19.

“A entrada da Covid-19 preocupou-me bastante, pensei que os meus meninos pudessem desistir do tratamento… são pessoas em idade sensível, precisam de imensos cuidados”, afirma a activista, adiantando que “fiz muita coisa para que os meus meninos estivessem motivados para dar continuidade ao tratamento, mesmo havendo restrições impostas pela Covid-19”.

Durante os meses de extrema quarentena, para que mantivesse contacto com os seus pacientes, Mamã Amélia recorria à rádio, a chamadas telefónicas e a redes sociais (whatsapp).  

“Punha-me sempre a alertar os miúdos sobre os dias de levantamento dos medicamentos. A mensagem era sempre clara: não devemos deixar de medicar, por causa da Covid-19. Nos primeiros dias, não foi fácil, mas, aos poucos, ultrapassámos as barreiras impostas pela pandemia… nenhum dos meus pacientes teve Covid-19 e nenhum deles perdeu a vida”.

 As unidades sanitárias, sublinha a activista, também contribuíam positivamente ao facultar antirretrovirais em stock, para que os pacientes, na senda do distanciamento social, não se fizessem sempre ao posto de saúde.

“Quando chegou a Covid-19, aperceberam-se que estar na unidade sanitária não é bom, preferiram fornecer os frascos de medicamento de três em três meses”, afirma a activista.

A fonte mostra-se contente pelo facto de ter tomado a vacina contra a Covid-19 e, em última instância, defende a necessidade de se efectuar, em todo o Sistema Nacional de Saúde, uma limpeza minuciosa para que haja uma distribuição equitativa da própria vacina contra a Covid-19 e outros medicamentos.   

“Agora, neste contexto pandémico, sinto-me mais segura para exercer o activismo”, afirma a senhora que é mãe de dois filhos e avó de quatro netos, concluindo que “os pontos principais que devem ser relevados no Sistema Nacional de Saúde são: disponibilização rápida e eficiente de medicamentos; supervisão das actividades e mecanismos de trabalho dos profissionais de saúde e, por fim, a priorização do Homem em detrimento do dinheiro”.

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