
A primeira vez que Isabel Langa Uamusse assistiu a um serviço de parto foi em 1980. Na altura, tinha apenas 20 anos de idade e estava em período de estágio profissional. Um medo instantâneo tomou conta dela. O bebé a sair molhado de sangue, os choros e os movimentos que o bebe fazia assustaram-na.
“Eu não sabia como lidar com aquele cenário. Fiquei com um pouco de medo, mesmo estando a assistir o parto na presença da minha instrutora” contou Isabel Langa Uamusse.
Este sentimento de insegurança que tomou conta da então estudante na década 80 “foi algo breve. O medo logo passou”, recorda Isabel Langa Uamusse, acrescentando que tal medo foi substituído por um outro sentimento melhor.
Com o decorrer dos anos, a jovem parteira foi ganhando mais experiência. Foi assistindo mais partos na província de Inhambane, onde trabalhou pela primeira vez, assim como também em Maputo, onde veio trabalhar posteriormente.
Quanto mais partos assistia, mais segurança ganhava. O medo que sentia, a insegurança que tinha ao pegar num recém-nascido foi substituído pelo sentimento de felicidade. “Não sabia como pegar no bebé. Tinha medo, mas hoje é diferente”, acrescentou a enfermeira.
“Hoje sinto-me lisonjeada ao trazer a vida aqui nesta terra. Isto me emociona bastante”, sublinhou.
Durante um serviço de parto, o maior desejo da Isabel é de preservar a vida tanto da mãe, assim como a do feto, “ fico mais feliz ainda quando tenho de fazer uma cesariana e nisto salvo a vida da mãe e do bebé. Isso é demais.”
É que em contextos críticos como esses a verdadeira responsabilidade está toda “nas mãos da parteira”. Quando um parto não aconteceu naturalmente, ela é chamada a intervir, usando dos seus conhecimentos para preservar as vidas.
Isabel Langa Uamusse conta que a emoção é deveras indescritível. Ela é, na verdade, a primeira pessoa a pegar os recém-nascidos. A olhar para seu rosto, a ver a sua expressão facial de choro – factos que a levaram a sentir medo no primeiro serviço de parto que assistiu, mas que hoje levam-na à emoção.

OS NOSSOS HÁBITOS CULTURAIS
COMPLICAM OS PARTOS
Durante todos estes anos de actividade , Isabel Langa Uamusse conta que a maior tristeza foi sempre não ter feito um parto bem-sucedida. Ela enfatiza que grande parte das vezes que estas situações se sucederam deveu-se ao facto de as parturientes chegarem ao hospital já com tentativas de parto sem sucesso de forma precária.
Algumas dessas parturientes chegavam já com dores uterinas fortes na sequência de uso de medicamentos dados nas suas residências para supostamente ajudar no parto indolor e menos demorado que facilitasse a vinda da criança com vida ao mundo.
“Há mulheres que chegavam aqui com dores fortes. E algumas tinham essas dores há mais de dois dias. Elas infelizmente perderam os seus filhos”, lamentou.
A enfermeira conta que estes têm sido os momentos mais difíceis da sua carreira.
“Espero que com o tempo possamos, como sociedade, ultrapassar algumas dessas práticas que na verdade prejudicam as próprias parturientes” afirma.

“Fui formado para cuidar as pessoas sem esperar nada em troca”, Mário Chissano
Mário Chissano sempre viu pessoas a entrarem no hospital próximo da sua residência no distrito de Panda em Inhambane quando era mais novo. Algumas dessas pessoas apresentavam um aspecto doentio e outras com ferimentos no corpo resultante de vários tipos de acidentes.
À saída do hospital parte destes utentes pareciam ter uma aspecto melhor. Com as expressões faciais melhoradas e com os ferimentos cobertos por ligaduras, Mário Chissano entendia que todos que se faziam àquela unidade sanitária tinham os seus problemas resolvidos.
“Foi aí que iniciou o meu interesse pela enfermagem. Na altura não sabia distinguir quem era o enfermeiro e quem era médico”, disse Mário Chissano.
Mas de uma coisa tinha a certeza, “ as pessoas saiam sempre do hospital melhor.”
Com o passar dos anos o sonho e o desejo do actual enfermeiro no Hospital Geral da Machava foram aumentando. E este sonho apenas se veio concretizar quando este já havia atingido a vida adulta.
“Entre 2005 e 2006 eu fui cumprir com o serviço militar obrigatório. E lá eu tive mais certeza que era isto que eu queria fazer”, contou.
Mário Chissano explicou que quando estava cumprindo com o serviço militar em Montepuez, na província de Cabo Delgado, foi incumbido da tarefa de ajudar os médicos do posto de saúde local.
“Foi ali que mais certeza tive que era isto que eu queria para mim. Eu gostava de ver os médicos a cuidarem dos doentes. Aquele ambiente me fascinava”, afirmou.
Depois de concluir o serviço militar, Chissano decidiu ir atrás do seu sonho, mas antes era necessário concluir o ensino geral, “eu tinha interrompido os estudos, mas depois de cumprir com o serviço militar decidi retornar ao banco da escola para concluir aquela etapa dos estudos e só então concorri para o curso de enfermagem. Fui admitido em 2008 para fazer o meu curso em Inhambane.”
Em Fevereiro de 2010, Mário Chissano ainda estava nos primeiros meses a trabalhar como enfermeiro, depois da formação que iniciou em 2008. Chissano já não mais era estudante estagiário. Tudo dependia dele. Tinha mudado de posição e a responsabilidade era maior.
Ele conta que o maior susto que teve quando iniciou a sua carreira profissional não esteve relacionado com o manter contacto com pacientes, mas sim em ter a responsabilidade de ter todo um serviço sob a sua responsabilidade.
“Eu já tinha estagiado antes e, por isso, já tinha estado em contacto com doentes. A diferença é que quando entras como funcionário sabes que a enfermaria é o teu local de trabalho. Você está ali como profissional e não como estudante. É natural que em algum momento surja aquela dúvida, será que vou conseguir? Mas no fim do dia quando os colegas dizem que está tudo bem é nesse momento que vem a sensação de que valeu a pena!”
Nós criamos laços de familiaridade com os pacientes
Chissano conta que uma das maiores dificuldades é anunciar a morte de pacientes aos seus familiares. “Nós acabamos criando laços de familiaridade de tal forma que me custa anunciar o desaparecimento físico de um doente aos seus ente-queridos.”
O ano de 2010 foi o primeiro em que ele teve essa experiência. Uma paciente tinha dado entrada doente, mas passando alguns dias ela apresentava melhoria, tendo recebido a visita de familiares e a conversado com eles. Contudo um dia antes da sua alta esta ela perdeu a vida.
“Ela conseguia, inclusive, comer. Conversava com os familiares, mas no dia seguinte, ela perdeu a vida”, lembra, acrescentando que, “aquele foi um dos piores momentos da minha vida profissional. Foi tão mau que não consegui informar a família. Nós criamos laços de família com os pacientes e seus familiares de tal forma que quando há situações idênticas a estas é complicado informar.”