
O caos, no Sistema Nacional de Saúde (SNS), está cada vez mais intenso, dado que a Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM) juntou-se, no passado domingo, à Associação Médica de Moçambique (AMM) para reivindicar melhores condições salariais e de trabalho. A greve, anunciada por este grupo, tem duração de 21 dias.
As duas entidades grevistas são unanimes em afirmar que a precaridade, em vários hospitais, está cada vez mais a agravar-se, tendo em conta a falta de medicamentos para os pacientes, o deplorável estado das camas, a falta de alimentos para os doentes internados e a escassez de material médico-cirúrgico.
Com a paralisação das actividades por parte da classe médica apenas, o atendimento hospitalar já se caracterizava por excessos de morosidade e longas filas. Agora que os restantes profissionais de saúde também retomaram a greve, o cenário tornou-se mais preocupante, havendo relatos de mortes nas principais unidades hospitalares do país, como é o caso do Hospital Central de Maputo (HCM), o maior que o país possui.
Tendo o Observatório Cidadão para Saúde (OCS) escalado, nesta segunda-feira, alguns hospitais na capital do país, observou a ausência de profissionais de saúde nos seus gabinetes, assim como apercebeu-se da falta de pacientes nas filas de espera. Ou seja, estes últimos, dado que não eram atendidos, optavam em abandonar os hospitais, sem ter passado por nenhuma assistência médica. Em algumas situações, eram mesmos os funcionários dos centros de saúde que mandavam os pacientes regressarem a casa.
Por outro lado, as maternidades, os serviços pediátricos e os de urgência caracterizam-se por longas filas de aglomerados, dado que o atendimento era praticamente inexistente.
No Hospital Geral José Macamo, por exemplo, a equipa do OCS interpelou duas senhoras que, após terem pacientado por muito tempo em busca de atendimento, acabaram por abandonar o local com destino às suas casas, por alegadamente não possuírem recursos para recorrer à clínica.
Uma das entrevistadas, de nome Hortência Júlio, lamentou o facto e chamou o Governo à razão para que encontre uma solução rápida possível para evitar que pessoas morram por falta de atendimento hospitalar.

Hortência Júlio
A paciente disse que voltava para casa adoentada por não possuir outra alternativa, não sabendo o que lhe aconteceria nos próximos dias.
“Ontem não me sentia bem e resolvi vir ao hospital. Chegámos aqui às 7horas e até agora (11horas) nada acontece. Não há enfermeiros nos gabinetes e ninguém nos diz nada. Não nos resta mais nada a não ser irmos para casa. É uma situação triste, isto é mesmo que matar a população. Que o Governo reaja antes que seja tarde. Que responda às exigências dos profissionais para que eles voltem ao trabalho”, sublinhou.
ENCHENTES E MOROSIDADE NOS SERVIÇOS DE URGÊNCIA
Ainda no Hospital Geral José Macamo, conversámos com Celso Timóteo, que, na companhia de sua esposa, acabava de sair de uma consulta pediátrica com a sua filha menor. Apesar de estes serviços estarem a funcionar, o entrevistado reconhece que há muitas pessoas que estão a ser prejudicadas por conta das manifestações.
Na sua opinião, a responsabilidade é do Governo, pois só ele é que tem a obrigação de prover melhores serviços de saúde ao povo, sendo que os profissionais de saúde reclamam por uma justa causa.
“O Governo devia respeitar as exigências dos médicos, pois não é justo que o povo sofra consequências desta greve. Os médicos são a salvação de todos nós”, sublinhou.

Celso Timóteo
Germana Sambo, outra paciente entrevistada pela equipa do Observatório Cidadão para Saúde, embora tenha visto os outros pacientes a abandonarem o local e mesmo com os gabinetes vazios, ela permaneceu na esperança de que alguém a iria atender.
“Aqui estava cheio, mas, como conseguem ver, os gabinetes estão vazios e não há ninguém para nos atender. Então, as pessoas foram desistindo e abandonando os bancos”, disse.

Gabinetes médicos sem os profissionais de saúde e bancos sem pacientes
Lamentou a situação e apelou a intervenção rápida do Governo, de modo que se evitasse o sofrimento dos utentes.
“Que isto tudo passe rapidamente. As pessoas estão a sofrer. Havia, aqui, um paciente muito mal e com argalha, ninguém estava para lhe atender e teve que ir embora”, afirmou.

Germana Sambo
No banco de socorros, ainda no Hospital Geral José Macamo, interagimos com Kelvin Baptista, paciente que estava à espera há cerca de uma hora, apenas para comprar a senha que lhe daria direito à assistência médica. Para o entrevistado, se se leva tanto tempo só para a compra de senha, o atendimento médico é inimaginável.
“A situação é extremamente triste e preocupante, pois há muitos pacientes que não estão a ter assistência devido aos impasses que ainda persistem entre o Governo e os profissionais de saúde. Esta situação vai causar a morte de muitas pessoas”, disse o utente, adiantando que “as entidades competentes devem regularizar este assunto. Se o Governo não tomar uma decisão urgente e dialogar com os profissionais de saúde, o povo vai continuar a morrer por falta de atendimento nos hospitais”, vincou.

Kelvin Baptista
A equipa do OCS visitou ainda o Hospital Geral de Chamanculo, tendo-se deparado com um cenário igualmente preocupante, uma vez que os pacientes apinhavam-se na esperança de serem atendidas, embora os profissionais não estivessem em exercício.
No Chamanculo, à semelhança de José Macamo, os utentes falam da ausência do pessoal médico, o que faz com que o atendimento seja demasiadamente moroso.
“O que estou a notar aqui é o número reduzido do pessoal médico, situação que contribui para que o atendimento seja muito lento. Cheguei às primeiras horas do dia e já são 12horas, mas ainda não fui atendido”, referiu Vicente Salvador.

Vicente Salvador
GOVERNO INSENSÍVEL
Este posicionamento é sustentado por Isaura José, utente dos serviços de saúde. A utente classificou a assistência como sendo péssima, dado que se leva muito tempo para se ter algum disgnóstico.
De acordo com Isaura, o Governo é insensível com a dor do povo, dai que não se preocupa em resolver esta situação.
“Lamento que o Governo não esteja preocupado com a vida das pessoas. Devia resolver este assunto acima de todos outros, porque muita gente, por falta de cuidados médicos, está a morrer desde que a greve iniciou”, salientou.

Isaura José
Por outro lado, no Hospital Geral de Mavalane, encontrámos Marcelina Paula, paciente transferida do hospital distrital da Manhiça para fazer alguns exames. Ela já tinha passado pelos exames de sangue, esperando apenas pelos resultados, mas conta que a demora no atendimento é notório e desgastante.
“Espero que esta greve cesse dentro em breve porque nós, os pacientes, estamos a passar muito mal, sem saber os porquês. Dou muita força aos médicos para que voltem às actividades normais. Que entendam que os pacientes não são culpados, pois estão a morrer”, disse.

Marcelina Paula
Estes relatos constituem amostra dos problemas passados em diversas unidades hospitalares. Em todas as províncias, os hospitais estão entregues ao abandono, uma vez que os profissionais de saúde estão em greve, fazendo valer “as suas armas na guerra fria” que tem travado com o Governo, através do Ministério da Saúde (MISAU).
OCS REITERA APELO AO DIÁLOGO MÚTUO
Diante desta situação e com vista a salvaguarda do bem-estar dos utentes e usuários do Sistema Nacional da Saúde (SNS), o OCS apela para que haja uma negociação rápida entre o Governo e o grupo de profissionais em greve, nomeadamente a Associação Médica e a Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique.
As partes devem procurar soluções eficientes com o objectivo de colocar um ponto final a esse dilema, que já está criar danos na saúde da população que precisa de cuidados, sem falar dos doentes crónicos que incessantemente não devem interromper o tratamento, sob o risco de se verem débeis, a morrer aos poucos.
Porque o Observatório Cidadão para Saúde é solidário com os utentes e usuários de serviços públicos das unidades sanitárias do país, reitera o seu apelou para que o Governo e a classe médica procurem mecanismos consensuais para dar um fim a este braço de ferro, que está a colocar a vida de muitos cidadãos em perigo.
O Governo deve, em última instância, buscar respostas satisfatórias para os profissionais de saúde, através de mecanismos de gestão e governação responsável, com vista a acabar com os conflitos históricos no sector da saúde.
Deve-se defender os interesses do cidadão, garantindo-se o acesso aos serviços de saúde de qualidade ao utente.
Entende o OCS que este braço ferro entre o Governo e os profissionais de saúde afecta negativamente a vida dos utentes, sendo que em algumas maternidades o atendimento humanizado já não existe, tendo-se retornado aos dias em que os partos eram feitos domesticamente em contextos problemáticos e cientificamente desaconselháveis.


