Resumo

A presente análise constitui resultado da monitoria do Programa Quinquenal do Governo (PQG 2020 -2024) face às suas promessas no sector da saúde. Este documento foi produzido tendo-se como base de análise o comportamento do sector, de acordo com os relatórios oficiais de execução do Plano Economico e Social.

A grande constatação, nesta abordagem, reside na seguinte argumentação: alguns indicadores críticos do sector da saúde não foram cumpridos e, com isso, foi possível aferir que estes resultados estão parcialmente associados ao facto de o sector da saúde estar a operar com um défice orçamental de 6,3%, assim como por estar a operar com 8,7% do total da despesa pública, equivalente a cerca de 19.2 mil milhões de meticais. Todavia, o deficit seria eliminado se o governo estivesse comprometido com a alocação de 15% do Orçamento do Estado, que coincide com a Declaração de Abuja, de que Moçambique é signatário. Ademais, constatou-se que inexiste compatibilidade entre as metas estabelecidas no PQG (2020-2024), indicadores previstos nos Planos Económicos e Sociais (PES) e Balanços do PES (BdPES) dentro do mesmo período – o que inviabiliza os processos de monitoria e avaliação.

O presente documento constitui uma contribuição do Observatório Cidadão para Saúde (OCS) na suscitação de um debate sobre o gasto público no sector da saúde. A presente análise explora o desempenho do sector da saúde no que diz respeito aos principais indicadores e medidas de qualidade dos serviços deste sector, em resposta aos objectivos do Plano Estratégico do Sector da Saúde (PESS), tendo em conta o nível de recursos aplicados ao longo dos últimos anos, com ênfase para 2020, tomando-se como referência as metas do PQG. Com esta análise, pretendemos responder à seguinte questão:

Quanto dinheiro falta para o governo cumprir com as promessas alistadas no seu Plano Quinquenal?

Introdução

 

O acesso a serviços qualitativos de saúde sempre constitui principal demanda da população moçambicana, como um dos factores para a melhoria da qualidade de vida e geração de rendimento interno. Em Moçambique, os serviços de saúde são, na sua maioria, providos pelo sector público, sendo competência do Ministério da Saúde (MISAU) criar, planificar, coordenar e controlar as políticas nacionais de saúde.

Em termos de alocação orçamental, os dados da Conta Geral do Estado (CGE) apontam que, no ano de 2020, registou-se um incremento de recursos alocados em cerca de 1,4% (8 mil milhões de meticais), comparativamente ao último ano 2019. Entre 2010 e 2020, verificou-se um crescimento nominal médio de 16,9% do orçamento da saúde. O valor alocado para este sector esteve na ordem de 8,7%, o que representa, em média, 3,1% do PIB ao longo do período em análise. No entanto, o incremento de recursos nem sempre esteve associado à melhoria da qualidade dos serviços.

Segundo os Anuários Estatísticos publicados pelo INE, a distância média que os habitantes percorrem para ter acesso aos cuidados de saúde saiu de 12,3 km em 2019 para 12,1 km em 2020. Ou seja, houve uma redução média de 0,2 Km apenas, o que significa que se deve envidar esforços para se aumentar as despesas de investimento, de modo a garantir-se a proximidade dos serviços de saúde à população. Isto só pode ser pela via do aumento do investimento, componente das despesas de saúde com menor execução orçamental, dada a sua dependência em relação aos doadores externos, resultantes da restrita capacidade das receitas internas que são consumidas pelas despesas de funcionamento.

Em relação à dependência externa no sector, é possível identificar que a análise orçamental entre 2010-2014, em que o MISAU era chefiado por Alexandre Manguele, a contribuição dos doadores era significativa. O orçamento da saúde era suportado com cerca de metade dos recursos internos e a outra metade perfazia os recursos externo. Nos anos subsequentes, de 2015 a 2019, em que MISAU era chefiado por Nazira Abdul, o sector foi grandemente suportado pelos recursos internos, em mais de 80%. Actualmente, o MISAU é chefiado por Armindo Tiago, sendo que os recursos internos continuam a ter maior contribuição para as despesas do sector, na ordem de 79%.

Como foi referido, a tendência de crescimento dos recursos internos, para financiar a despesa do sector de saúde, tem em vista a priorização da despesa de funcionamento em detrimento da de investimento, que permitiria expandir a rede sanitária, sobretudo do nível primário, assim como rural e peri-urbana, assegurando o seu apetrechamento (equipa mínima de saúde, equipamento básico, medicamentos e material médico-cirúrgico essencial, água e energia), reduzindo, deste modo, a distância média que os habitantes percorrem para ter acesso à unidade sanitária, num contexto em que este indicador não tem registado alterações significativas nos últimos anos.

Importa realçar que a distância média que os habitantes percorrem para ter acesso à unidade sanitária reflecte a dinâmica dos indicadores mais importantes, no que tange à cobertura universal dos serviços de saúde (rácio médico por habitante; profissional de saúde por habitante; unidade sanitária por habitante, entre outros). Assim sendo, o mau desempenho deste indicador revela a incapacidade generalizada do Sistema Nacional da Saúde (SNS) em responder à crescente demanda populacional, dada a evolução demográfica. Neste contexto, vale recordar que Moçambique possui uma das maiores taxas de crescimento demográfico do mundo, em cerca de 2,6% em média.

O Governo não cumpriu as metas do PES para o sector da saúde em 2020

O Balanço do PES (BdPES) para o sector da saúde é um documento do Governo que devia responder profundamente às questões de monitoria e avaliação qualitativa da implementação de políticas públicas neste sector. Ademais, este documento permite conhecer o ponto de situação das prioridades do Governo para o alcance das metas do PQG.

Na prioridade do PQG (2020-2024), no âmbito do Desenvolvimento do Capital Humano e Social, estão definidas para o sector da saúde as seguintes acções: expandir o acesso e melhorar a qualidade dos serviços de saúde; reduzir a mortalidade materno-infantil; reduzir a morbimortalidade por desnutrição crónica, malária, tuberculose, HIV, doenças não transmissíveis e doenças preveníeis.

Em 2020, o Governo pretendia alcançar a meta de 89.9% de partos institucionais, 4% abaixo da meta definida no PQG 2020-2024. No caso da cobertura de crianças menores de 5 anos completamente vacinadas, o governo pretendia alcançar a meta de 95%, 1% abaixa do estabelecido no PQG. Quanto ao número de crianças beneficiárias do Tratamento Antirretroviral, a meta previa que fossem abrangidas 130 mil crianças das 141 mil previstas no PQG 2020-2024.

O PQG não prevê o indicador “Nº de profissionais colocados no Sistema de Saúde”, mas, por outro lado, prevê um rácio pouco usual na planificação, representado pelo rácio de densidade dos profissionais de regime nacional especial de saúde, assim como o estrangeiro por 100.000 habitantes de 118, 30% abaixo da meta prevista no PQG 2020 – 2024.

Tabela 1 – Indicadores do PES no Sector da Saúde 2020-2024

Fonte: BdPES 2020

Comparando com os compromissos assumidos no PQG 2020-2024, que constam da página 07 da resolução número 15/2020 que aprova o PQG, dos 15 indicadores do PQG, no relatório de balanço pode extrair-se 04 indicares que se destacam na execução das acções previstas para o sector da saúde.

Da análise feita, pode-se constatar que o BdPES não apresenta todos os indicadores, tal como são apresentados no PQG, assim como se observa, no mesmo documento, que o estabelecimento de metas tem sido anual, sem nenhuma base de comparação que faz referência ao PQG.

No entanto, de forma geral, alguns indicadores críticos para o sector da saúde não foram cumpridos. Trata-se do Nº de crianças beneficiárias do TARV. Para este indicador, os dados de 2020 apontam para um nível de realização muito baixo correspondente a 62% de o que foi programado. O incumprimento desta meta tem-se evidenciado desde 2013.

Gráfico 1 – Indicador de Crianças beneficiárias do TARV

Fonte: OCS com base no BdPES 2012 – 2020

Para o indicador rácio de densidade dos profissionais de regime especial de saúde nacionais e estrangeiros por 100.000 habitantes, o nível de realização ronda nos 93%. Como resultado, o país, em 2020, conseguiu formar e contratar um considerável número de profissionais de saúde, mas 7% abaixo do planificado. Elevar o nível de formação e contratação de profissionais de saúde pode contribuir, de forma significativa, para a qualidade dos serviços prestados ao cidadão, melhorando-se a qualidade do capital humano no país.

Gráfico 2 – Indicar Nr de profissionais de saúde colocados no Sistema de Saúde

Fonte: OCS com base no BdPES 2011-2020

Algumas acções apresentaram uma evolução favorável, nomeadamente: a taxa de cobertura de partos institucionais e vacinação de crianças.

Olhando-se para as metas estabelecidas no PQG 2020-2024, e, estando-se a três anos do fim do mandato, faltaria ao actual Governo responder ao compromisso relactivo à cobertura do número de crianças beneficiárias do TARV, assim como melhorar o rácio profissional de saúde por habitante. Olhando-se para o esforço dos anos anterior, em termos de realização, qual seria a possibilidade de se cumprir com as metas?

Para que o Governo pudesse alcançar as metas estabelecidas nos indicadores gastou, em média, 8,7% (19.2 mil milhões de meticais) da despesa total, o que significa que o sector da saúde operou com um défice de cerca de 6,3% da despesa necessária, que correspondeu a 20,9 mil milhões de meticais em 2020. Assim sendo, acreditamos que o governo deveria ter gastado no mínimo 15%, correspondente a 53,1 mil milhões de meticais da despesa total em 2020, garantindo o cumprimento das mestas previstas até ao fim do seu mandato em 2024.

Tabela 2 – Indicadores do PQG no sector da saúde 2020-2024

Fonte: Resolução número 15/2020 que aprova o PQG 2020-2024

Conclusões

A presente análise foi feita no âmbito da monitoria dos objectivos do PQG 2020 – 2024, tendo-se como enfoque o primeiro ano de implementação, 2020. Com recurso ao PQG 2020-2024, BdPES de vários anos, resoluções, estatísticas oficiais, entre outros relatórios, realizou-se esta análise sobre o desempenho do sector de saúde. 

Observando a evolução não satisfatória dos indicadores do sector de saúde, com destaque para a distância média percorrida pela população para alcançar uma unidade sanitária, nota-se uma necessidade crescente de se imprimir maiores esforços para que os recursos alocados possam melhorar Sistema Nacional de Saúde.

Os mínimos previstos na Declaração de Abuja preconizam a alocação de, pelo menos, 15% dos orçamentos de Estado para o desenvolvimento da saúde. Todavia, Moçambique nunca atingiu esta meta, tendo chegado apenas a metade do estabelecido na ordem de 8,7%. Evidentemente, esta situação justifica, em boa medida, a fraca capacidade de resposta do sector, num contexto em que as necessidades sociais dos serviços de saúde aumentam, por conta da elevada taxa de crescimento demográfico, de acordo com o balanço do PES nos últimos anos, incluindo 2020.

Verifica-se fraca ligação entre as metas estabelecidas no PQG (2020 – 2024) e os indicadores previstos nos Planos Económicos e Sociais (PES) e Balanços do PES (BdPES) do mesmo período, o que dificulta o acompanhamento do cumprimento da implementação das metas. De uma forma geral, alguns indicadores críticos para o sector da saúde não foram cumpridos.

Para que o Governo responsa às condições mínimas aceitáveis internacionalmente, no sector de saúde, precisaria de gastar pelo menos 113 mil milhões de meticais, correspondente a 32% da despesa total, o triplo do que foi gasto em 2020.

Há factores relacionados aos instrumentos de planificação do Governo que não permitem uma avaliação eficaz do cumprimento das metas. Por um lado, a CGE reporta somente a componente orçamental-financeira e, por outro, o último relatório de balanço do PQG publicado (o Balanço do PES 2020) é um documento de intenções e não tem consigo o envelope de recursos.

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