Sumário Executivo
Em Moçambique, de 2010 a 2020, a dívida pública aumentou de forma exponencial, tendo saído de 119,9 mil milhões de meticais, em 2010, para cerca de 948,7 mil milhões de meticais, em 2020.
Neste período a dívida externa representou cerca de 80% do stock da dívida. A contratação das chamadas “dívidas ocultas” foi responsável pela extrapolação dos limites de sustentabilidade da dívida e do serviço da dívida. De facto, com a descoberta das dívidas ocultas o serviço da dívida atingiu a 61% das receitas, portanto, mais de duas vezes o limite de sustentabilidade, 25%. Cenário que compromete a alocações de recursos necessários para a provisão de bens e serviços públicos essenciais, incluindo o sector da saúde. Por exemplo, uma aplicação de, em média, 2,2% do serviço da dívida, poderia salvar a vida de cerca de 171 mil crianças que morrem por desnutrição crónica todos os anos em Moçambique. Sendo que, em Moçambique, grande parte da população vive em situação de pobreza, com destaque para as zonas rurais onde vivem cerca de 68% da população, e que apenas 55,4% da população destas zonas têm acesso aos serviços básicos de saúde, é importante pensar em alternativas de financiamento que não encareçam os custos de acesso à esses serviços pela maioria da população.
Para ultrapassar estes desafios, diferentes actores devem estar engajados em desempenhar o seu papel. Nestes termos, ao governo recomenda-se a rigorosa observância das normas orçamentais associadas a contratação da dívida pública e o respeito dos limites sustentabilidade da dívida. Recomenda-se, igualmente, a adoptar formas alternativas de financiamento da despesa pública do sector que não condicionem o acesso aos serviços de saúde pela população. Por outro lado, recomenda-se ao parlamento a pressionaro governo a respeitar as normas orçamentais associadas à contratação da dívida pública e reflectir sobre mecanismos legais alternativos para conter o endividamento público crescente e tendencialmente insustentável. Ao Tribunal Administrativo, dar suporte a iniciativas conducentes a maior severidade no tratamento legal de casos típicos de corrupção desencadeados por funcionários públicos ou com conivência destes. Aos Doadores, condicionar a ajuda externa a observância de critérios de transparência, prestação de contas, na contratação da dívida pública e melhoria da provisão de serviços públicos. À Sociedade Civil de monitorar continuamente o trabalho do governo na contratação da dívida, exigindo a transparência e prestação de contas na gestão de finanças públicas.
1. Introdução
A provisão de serviços de saúde de qualidade para todos é um direito fundamental básico e condição determinante para a promoção do desenvolvimento socioeconómico sustentável. Todavia, em países em vias de desenvolvimento, tal como Moçambique, a limitada capacidade de arrecadação de receitas e a ineficiente gestão das mesmas dificulta a provisão destes e de outros serviços públicos essenciais. Com efeito, a dívida pública tem se mostrado um instrumento através do qual os governos buscam financiar alternativamente a despesa pública. Entretanto, apesar da dívida pública constituir um instrumento de financiamento da despesa pública importante, a amortização da mesma e os encargos a ela associados (serviço da dívida) podem comprometer a capacidade de provisão de bens e serviços públicos as populações a médio e longo prazos. Pelo que, a decisão de contratação da dívida pública deve levar em consideração a sua sustentabilidade.
É neste contexto que o Observatório do Cidadão para Saúde (OCS), em parceria com o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), vem realizando estudos com vista reflectir, junto dos principais actores de desenvolvimento (governo, parlamento, parceiros de cooperação e sociedade civil), sobre os impactos do serviço da dívida na provisão de serviços públicos as populações, bem como discutir sobre as alternativas de financiamento do sector de saúde que não encareçam o acesso aos serviços de saúde pelas populações.
1.1 Objectivos
A prossecução destes objectivos seguiu algumas etapas estratégicas, a saber:
- Analisar a evolução da dívida pública e sua sustentabilidade;
- Analisar o custo de oportunidade do serviço da divida na área da saúde;
- Discutir sobre opções de financiamento para o sector da saúde.
1.2 Metodologia
A análise baseou-se na revisão documental consubstanciada pela consulta dos principais instrumentos de planificação e gestão públicas no período de 2010 a 2021. Estes documentos incluem: Conta Geral do Estado (2010-2020), Balanço do Plano Económico e Social (2019 e 2020) e OE (2021). Recorreu-se ainda a documentos regionais e internacionais relevantes para reforçar a análise com destaque para os relatórios do FMI.
As abordagens foram: qualitativa, para informações não quantificáveis e quantitativa para dados numéricos. O método de análise e interpretação dos dados foi de estatística descritiva com recurso a Excel para a construção de gráficos e tabelas estatísticas para os diferentes indicadores.
2. Principais Constatações
As principais constatações foram divididas em quatro subsecções. A primeira aborda sobre a evolução da dívida pública total, externa e interna. A segunda subsecção analisa a sustentabilidade da dívida em relação ao PIB e as Receitas Totais. A terceira é referente a análise do impacto do serviço da dívida em relação ao sector de saúde. Por último, a quarta subsecção aborda sobre as alternativas de financiamento do sector da saúde.
2.1 A Dívida Pública em Moçambique (2010-2020): Evolução, Estrutura e sustentabilidade
As dívidas ocultas, por um lado, causaram a perda de confiança dos doadores, o que se traduz na redução, tanto do financiamento directo ao orçamento, como de outras modalidades de ajuda externa. Por outro lado, o serviço da dívida configura um elevado custo de oportunidade para os sectores sociais na medida em que os valores envolvidos seriam suficientes para resolver problemas nos diversos sectores, como o da saúde, educação e protecção social.
Enquanto as demais despesas são passíveis de interrupção relativamente mais rápida quando justificada, as dívidas públicas traduzem-se em compromissos de pagamento de médio e longo prazos, condicionando o crescimento da dotação orçamental dos sectores prioritários pelo que, mostra-se necessária uma análise mais profunda dos custos sociais associados ao endividamento público em Moçambique, tendo esta merecido atenção na presente análise.
Este cenário justifica sobremaneira a necessidade da intervenção da sociedade civil. Todavia, esta acção deve ser fundamentada pela evidência que se pretende gerar de forma metódica na presente análise, que parte de uma descrição da dívida pública, passando pela apresentação minuciosa do financiamento do sector da saúde, de modo a estimar em diversas vertentes em termos de necessidades, o custo de oportunidade do serviço da dívida pública neste sector, o que vai permitir identificar medidas de políticas conducentes à alternativas de financiamento ao sector da saúde como forma de mitigar o impacto nefasto das dívidas.
Nesta senda, o presente capítulo descreve a evolução da dívida pública moçambicana (dívida total, dívida externa e dívida interna) de 2010 à 2020, a composição da dívida externa e interna e as suas implicações.
2.1.1 A Composição da Dívida Pública Total (externa e interna)
A análise da dívida pública total nos últimos 11 anos (2010 a 2020) demonstra que esta evoluiu de forma crescente, tendo aumentado em quase oito vezes, de 119,9 mil milhões de meticais para 948,7 mil milhões de meticais. Essencialmente, nesta evolução, pode-se verificar dois momentos importantes. O primeiro momento que vai de 2010 a 2016, aquando da descoberta do escândalo das “dívidas ocultas”. Neste período, a dívida cresceu exponencialmente, a uma taxa média anual de 23%. O segundo momento vai de 2017 a 2020, portanto posterior às dívidas ocultas, onde a dívida evoluiu de forma relativamente mais “tímida”, ou seja, a uma taxa média anual de 3%.
Outra ilação importante desta análise é que, neste período, a dívida externa, correspondeu a cerca de 80% da dívida pública total. Com relação a dívida pública interna, destaca-se o facto a partir de 2015 esta passou a crescer de forma galopante, tendo aumentado de 432,2 mil milhões (em 2015) para 701,7mil milhões de meticais, (2020).
Gráfico 1: Evolução da dívida pública em Moçambique (2010 – 2020)

2.1.2 Estrutura da Dívida Pública Externa
No período em análise, a dívida externa foi composta por créditos bilaterais e multilaterais. Os créditos bilaterais incluem predominantemente credores do bloco dos países emergentes denominada BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Com relação a evolução, de 2010 a 2013, os créditos multilaterais foram superiores aos créditos bilaterais. Contudo, de 2014 a 2020, o cenário mudou, ou seja, a dívida com credores bilaterais passou a evoluir acima dos créditos multilaterais, taxa média anual de 48% contra 16%, respectivamente. A consequência disso é que pelo facto dos créditos bilaterais, diferentemente dos multilaterais, terem taxas de juros relativamente altas e períodos de maturidade baixas (por exemplo: as taxas de juros dos BRICS eram duas vezes superiores as taxas de juros de outros credores[1]), o governo assume uma despesa alta com o serviço da dívida no curto e longo prazos o que significa comprometer a provisão de bens e serviços essenciais como a saúde. Um exemplo que elucida isso é que, em 2018, os créditos bilaterais correspondiam a 38% da dívida externa, mas eram responsáveis por mais 45% do serviço da dívida, enquanto os créditos multilaterais correspondiam a 35% da dívida externa e apenas 14% do serviço da dívida (FMI, 2018).
[1] https://journals.openedition.org/cea/2964
Gráfico 2: Estrutura da Dívida Externa Moçambicana (2010 – 2020)

2.1.3 Dívida Pública Doméstica
Com relação a estrutura da dívida interna destaca-se o facto de, com a descoberta das “dívidas ocultas” em 2016 e a consequente suspensão do apoio externo, o governo recorreu directamente ao Banco Central para contratar a dívida. Outros mecanismos de endividamento como o Bilhetes de Tesouro e obrigações do Tesouro também passaram a crescer de forma explosiva neste período.
Gráfico 3: Estrutura da Dívida Interna de Moçambique (2010 – 2020)

2.2 Sustentabilidade da Dívida
2.2.1 Stock da Dívida em Relação ao PIB
Essencialmente, a SADC, no âmbito das metas de convergência macroeconómica dos países membros, definiu que o Stock da Dívida não deve ser superior a 60% do PIB. Ou seja, o stock da dívida não pode ser superior a 60% da actividade económica do país.
O gráfico a seguir demonstra que o stock da dívida sobre o PIB esteve abaixo do limite de sustentabilidade até 2014. Todavia, a partir de 2015, o indicador superou o limite de sustentabilidade (60%), tendo atingido o pico em 2020 com 142%. Ou seja, nos últimos 5 anos, a dívida pública tem sido maior que a actividade económica do país. De referir que este fenómeno está directamente associado ao acto solene da Assembleia da República de incluir as chamadas “dívidas ocultas” nos respectivos orçamentos.
Gráfico 4: Stock da Dívida/PIB (2010 – 2020)

2.2.2 Serviço da Dívida/Receitas
De acordo com a metodologia da iniciativa HIPC o Serviço da Dívida não deve ser superior a 25% das receitas. Este indicador mede a capacidade do governo de honrar os seus compromissos com credores com recurso as receitas internas.
Este indicador permaneceu relativamente estável (com algumas flutuações um pouco acima e abaixo do limite) até 2014. Contudo, a partir de 2014 passou a crescer exponencialmente até atingir o pico em 2016 com 61%. Em virtude das renegociações da dívida, o indicador reduziu, porém, sem voltar a atingir o limite de sustentabilidade. Contudo, a partir de 2018 voltou a aumentar até fixar-se em 55% em 2020. Portanto, nos últimos cinco anos este indicador esteve insustentável como mostra o gráfico abaixo .
Gráfico 5: Serviço da Dívida/Receitas (2010 – 2020)

Fonte: Cálculos dos autores com base em FMI (2010-2020)
2.3 Impacto do Serviço da Dívida no Financiamento do Sector da Saúde
Conforme referiu-se, embora a dívida pública seja uma importante fonte de financiamento da despesa pública, incluindo a do sector de saúde, a contratação da mesma deve ter em conta critérios de sustentabilidade no sentido de não prejudicar o investimento de sectores importantes da economia e da sociedade no curto, médio e longo prazos. Assim, esta subsecção inclui a comparação da despesa do sector da saúde e o serviço da dívida. Igualmente, a subsecção aborda sobre o custo de oportunidade do serviço da dívida para o sector da saúde.
2.3.1 Serviço da dívida vs despesa da saúde
A comparação nominal do serviço da dívida em relação ao sector da saúde mostra que, na última década, o esforço financeiro com o serviço da dívida aumentou cerca de 23 vezes, tendo crescido de 9 mil milhões de meticais, em 2010, para 213,6 milhões de meticais, em 2020. Enquanto, a despesa do sector de saúde evoluiu de forma mais modesta, tendo apenas quadruplicado neste período, saindo de cerca de 8 mil milhões de meticais, em 2010, para cerca de 32 milhões de meticais em 2020.
Em síntese, o esforço financeiro que o governo aplicou com o serviço da dívida em 2020 foi mais de 6 vezes maior que os gastos com o sector da saúde que, conforme referiu-se enfrenta desafios para atender a grande maioria da população.
Gráfico 6: Serviço da Dívida VS Despesa da Saúde (2010 – 2020)

Fonte: Cálculos dos autores com base na CGE (2010 – 2020)
2.3.2 Custo de oportunidade de serviço da dívida para o sector da saúde
A análise do custo de oportunidade do serviço da dívida para o sector da saúde é feita na perspectiva significa verificar o que poderia ter sido feito no sector da saúde com os recursos alocados ao serviço da dívida. Neste sentido, o combate a desnutrição crónica infantil foi usado como uma variável para demonstração deste custo de oportunidade.
A desnutrição crónica é uma variável que pode minar todos os esforços de desenvolvimento socioeconómico no longo prazo. De acordo com a UNICEF, além de contribuir para mortes infantis e ser prejudicial a saúde da criança, a desnutrição crónica tem efeitos no aproveitamento escolar, o que significa deficiências na acumulação de capital humano de qualidade para o desenvolvimento do país a longo prazo (UNICEF, 2020). Moçambique tem altas taxas de desnutrição crónica infantil, que chega a afectar cerca de 43% das crianças de 0-59 meses de idade (IOF 2014/15), portanto, acima da média da região, 33%. De acordo com SETSAN (2017), 26% das mortes de crianças com menos de 5 anos estão associadas a desnutrição. O Banco Mundial estima que, em média, são necessários 10,00 dólares anuais para salvar crianças com menos de 5 anos.
O gráfico a seguir mostra que, nos últimos 10 anos, o governo gastou em média 84,7 mil milhões meticais com o serviço da dívida. Contudo, tendo em conta que, para combater a desnutrição crónica infantil, seriam necessários em média 10,00 dólares por criança, os dados a seguir mostram que, em média, seriam necessários 1,9 mil milhões de dólares, ou seja, 44 vezes o que gastou com o serviço da dívida.
Gráfico 7: Serviço da Dívida VS Orçamento Necessário para combater a desnutrição (2010 – 2020)

Fonte: Cálculos dos autores com base na CGE (2010 – 2020)
Tal investimento permitiria salvar, em média, cerca de 171 mil crianças ao ano (vide o gráfico a seguir).
Gráfico 8: Número de Vidas de Crianças que Poderiam ser Salvas (2010-2020)

Fonte: Cálculos dos autores com base na CGE (2010 – 2020)
2.4 Alternativas de Financiamento do Sector da Saúde
Em Moçambique, grande parte da população vive em situação de pobreza de consumo, ou seja, não tem recursos suficientes para suprir as suas necessidades básicas. Dados do IOF 2014/15 indicam que a pobreza tem maior incidência em zonas rurais, onde cerca de 50,1% vive em situação de pobreza. Este indicador é bastante preocupante se considerarmos que as áreas ruais ocupam mais de 90% do território nacional e acolhe cerca de 68% da população (MADER, 2021). Dados do IOF 2019/20 indicam que, em zonas rurais, apenas 55,4% da população tem acesso aos serviços de saúde, ou seja, caminham a pé pelo menos 30 minutos para chegarem a uma unidade sanitária.
Em análise, os dados acima indicados demonstram que a grande maioria da população vive em situação de pobreza extrema e não tem acesso aos serviços de saúde. Por conseguinte, esta subsecção aborda sobre alternativas de financiamento para cobertura universal da saúde que não encareçam o acesso aos serviços de saúde pela população.
A seguir, são indicadas algumas alternativas que podem ser aplicáveis:
- Recuperação das despesas de saúde não reflectidas nos custos das seguradoras em caso de sinistros. Por exemplo, em casos de acidentes de carro, as seguradoras tendem a cobrir custos explícitos da reparação de danos da viatura, e quando os sues clientes são tratados em hospital público, a factura não é repassada para seguradora a favor do estado, constituindo uma fonte não explorada de receitas para o estado.
- Taxa especial de empresas grandes e lucrativas. Grandes empresas do sector de exploração mineira, por exemplo, podem ser cobradas algumas taxas específicas que serão alocadas ao sector de saúde;
- Imposto sobre o consumo de tabaco e álcool. Taxa sobre consumidores de produtos prejudiciais a saúde como tabaco e álcool podem ser uma fonte importante de receitas, além de terem o potencial de reduzir o consumo destas substâncias, o que tem impacto na saúde.
- Imposto de consumo de alimentos menos saudáveis. Umataxa de 20% sobre alimentos de alto teor de gordura, sal, aditivos e açúcar, por exemplo.
3. Conclusões e Recomendações
Este capítulo está dividido em duas secções. A primeira secção é referente às conclusões, na qual faz-se um resumo das principais ilações do estudo. A segunda secção é referente às principais recomendações dirigidas para os actores de desenvolvimento.
3.1 Conclusões
O estudo tirou as seguintes ilações:
- Nos últimos 10 anos, a dívida pública total cresceu em quase 8 vezes, tendo passado de cerca de 119 mil milhões de meticais, em 2010, para cerca de 948 mil milhões de meticais em 2020. Neste período, a dívida pública externa correspondeu a cerca de 80% do stock da dívida. Desde 2015, a dívida pública interna passou acrescer de forma exponencial, factor que pode estar associado a suspensão do apoio directo ao OE decorrente do escândalo das dívidas ocultas.
- Até 2014, o Governo de Moçambique (GdM) contratou mais dívidas com credores multilaterais em relação aos credores bilaterais. Os credores multilaterais (ex: Banco Mundial e FMI) normalmente estão comprometidos com o desenvolvimento do país, pelo que, oferecem taxas de juros relativamente baixas e períodos de maturidade da dívida mais altos, reduzindo, deste modo, o peso do serviço da dívida no OE. Contudo, de forma contrária a este pressuposto, a partir de 2014, o GdM passou a contratar mais dívidas com credores bilaterais, que têm taxas de juros altas e períodos de maturação mais curtos, aumentando o peso do serviço da dívida para o OE. Portanto, comprometendo a provisão de serviços públicos essenciais aos cidadãos.
- Com relação a sustentabilidade da dívida, a partir de 2015, o país extrapolou o limite de sustentabilidade da stock da dívida/PIB (60%) estabelecido pela SADC no âmbito da convergência macroeconómica da região. De referir que este cenário se manteve até 2020, quando o indicador se fixou em 142%, ou seja, superou o limite em mais de 2 vezes. Com relação ao serviço da dívida sobre receitas, o indicador esteve dentro do limite de sustentabilidade estabelecido pela iniciativa HIPC, 25%. Contudo, em 2016, o indicador extrapolou o limite, tendo atingido o ponto mais alto neste mesmo ano com 61%. Todavia, no ano seguinte voltou a abaixar, porém sem atingir o limite de sustentabilidade e manteve-se assim nos anos subsequentes. Em suma, tanto o stock da dívida quanto o serviço da dívida são insustentáveis.
- A comparação nominal do serviço da dívida em relação ao sector da saúde mostra que, na última década, o esforço financeiro com o serviço da dívida aumentou cerca de 23 vezes, tendo crescido de 9 mil milhões de meticais, em 2010, para 213,6 milhões de meticais, em 2020. Enquanto que a despesa do sector de saúde evoluiu de forma mais modesta, tendo apenas quadruplicado neste período, saindo de cerca de 8 mil milhões de meticais, em 2010, para cerca de 32 milhões de meticais em 2020. Ou seja, Em síntese o esforço financeiro que o governo aplicou com o serviço da dívida em 2020 foi mais de 6 vezes maior que os gastos com o sector da saúde que, conforme referiu-se enfrenta desafios para atender a grande maioria da população.
3.2 Recomendações
Constituem recomendações do estudo as seguintes:
a) O Governo deve:
- Melhorar o processo de transparência e prestação de contas na contratação da dívida pública;
- Observar as normas orçamentais associadas aos limites de contratação da dívida;
- Pautar pelos princípios de sustentabilidade no processo de contratação da dívida pública, escolhendo de forma criteriosa os prazos de pagamento da dívida e as taxas de juros que não prejudiquem a provisão de serviços públicos no curto, médio e longo prazos;
- Garantir ao sector da saúde uma proporção justa dos recursos de acordo com as diferentes prioridades do sector da eficiência na execução orçamental compatível com a melhoria progressiva da prestação de serviços as populações.
- Explorar fontes de financiamento domésticas que não prejudiquem o acesso aos serviços de saúde pela grande maioria população.
b) O Parlamento deve:
- Pressionar o governo a melhorar a distribuição de recursos disponíveis para a provisão de serviços públicos essenciais, incluindo a saúde;
- Pressionar o GdM a observar as normas orçamentais associadas a contratação da dívida pública, principalmente aquelas que carecem de aprovação pela Assembleia da República.
- Discutir mecanismos legais alternativos para conter o endividamento público crescente e tendencialmente insustentável.
c) O Tribunal Administrativo deve:
- Dar suporte a iniciativas conducentes a maior severidade no tratamento legal de casos típicos de corrupção desencadeados por funcionários públicos ou com conivência destes, no âmbito da gestão da coisa pública.
d) Os Doadores devem:
- Condicionar a ajuda externa à observância de critérios de transparência, prestação de contas, melhoria da alocação de provisão de serviços públicos de acordo com as necessidades das populações.
e)A Sociedade Civil deve:
- Pressionar o governo a respeitar as normas orçamentais atinentes a contratação da dívida;
- Pressionar o governo a orientar a alocação de recursos para os sectores prioritários, incluindo o da saúde;
- Advogar pela identificação de fontes alternativas de recursos para financiar a provisão de bens e serviços públicos por forma a não encarecer o acesso pela maioria da população.