Maputo, 08/09/2020 – O Observatório Cidadão para Saúde (OCS) exige a responsabilização dos profissionais de saúde que obrigaram um utente a transportar um cadáver do Centro de Saúde de Muhalaze de volta para sua casa, por alegadamente inexistirem condições para a conservação do mesmo.

De acordo com o utente, que responde ao nome de Victor Matsinhe, residente no bairro de Muhalaze, a malograda, que estava no seu quinto mês de gravidez,  faleceu acamada naquele centro de saúde, mas os profissionais não se dignaram a transferir o corpo para uma unidade hospitalar que pudesse conservar o corpo.

“A minha esposa estava grávida de cinco meses, e foi levada ao hospital, por volta das 18 horas, do dia 20 de Julho. Levamo-la ao centro de saúde às correrias porque estava a sangrar e com intensas dores de barriga”, afirma Matsinhe.

Chegado ao hospital,  adianta o utente, “a minha esposa foi observada e de imediato levada à sala e lhe foi administrada uma medicação, mas a tendência das dores foi de piorar. Algumas horas depois, o hospital, ao se aperceber que a intervenção não estava a resultar, informou-me que ela seria transferida para o Hospital Geral José Macamo, esperando-se apenas à ambulância.”

Antes que ocorresse a transferência, a esposa do senhor Matsine perdeu a vida.

“Ela chamou-me para, na verdade, despedir-se porque não mais aguentava com as dores e disse-me que nada mais podia ser feito. Perdi-a nos meus braços”, continuou a contar.

Não bastou que o paciente perdesse a esposa, em seguida recebeu a informação de que “devia transportar o corpo da minha esposa para casa porque o hospital não tinha condições para conservá-lo.”

Desesperado, o senhor Matsinhe informou ao profissionais que não estava em condições de transportar o cadáver para casa, tendo em conta que o hospital, para a questão que se apresenta, é  responsável pela conservação do cadáver. No entanto, o hospital insistiu que o corpo devia ser transportado para casa pelo utente.

“Tentei explicar que a família não tinha condições naquela noite para levar o corpo para casa, mas eles insistiram que o mesmo não devia permanecer no Centro de Saúde”, disse o utente.

Não tendo mais argumentos, o senhor enlutado foi obrigado a alugar uma carrinha de mão (vulgarmente denominado Txova), para transportar o corpo para casa.

“A situação foi chocante”, desabafou, adiantando que  “passámos a noite com o defunto e dia seguinte é que conseguimos juntar dinheiro para tratar os papéis e contactar uma agência funerária para levar o corpo à Morgue do Hospital Central de Maputo.”

Inclusive os papéis que certificavam o óbito, foram-lhe fornecidos no dia seguinte pelo Centro de Saúde de Muhalaze.  

O que Dizem as Normas sobre Conservação de Cadáveres?

De acordo com diversos dirigentes do sector de saúde, ouvidos pelo OCS, quando a morte ocorre dentro do hospital, a responsabilidade pela conservação do cadáver é do centro de saúde, devendo este providenciar igualmente os documentos para se prosseguir com os trâmites legais. Não tendo um sistema de frio para a conservação, a unidade sanitária transfere o corpo para um outro hospital que tenha condições.

Observando para este processo, constata-se que o Centro de Saúde de Muhalaze, na província de Maputo, violou estes procedimentos ao ter obrigado o utente –um viúvo como se não bastasse – a transportar o corpo para casa, mesmo tendo apresentado dificuldades para tal, principalmente por o caso ter-se dado no período noturno.

Para se interar sobre a situacao, o Observatório Cidadão para Saúde (OCS) contactou a directora do Centro de Saúde de Muhalaze. A directora disse estar ciente sobre o caso, condenando “a insensibilidade por parte da enfermeira que esteve em serviço no dia do ocorrido.”

Para melhores esclarecimentos sobre a situação, a directora remeteu-nos à Direcção Distrital de Saúde da Matola.

Por sua vez, a Directora de Saúde Pública, Ana Maria, explicou que o caso já era de conhecimento da direcção e “que estava a ser desenvolvido um trabalho com vista a apurar o que realmente aconteceu.”

“É um assunto que a direcção está a acompanhar  e está a dar o seu devido tratamento, tendo em conta a sensibilidade do mesmo. A primeira impressão que fica é que a enfermeira que cuidou do caso foi insensível.  Somos todos unânimes nisso. No entanto, o caso está a ser seguido”, frisou.

Tirando os procedimentos que são seguidos quando se trata de óbitos intra-hospitalares, afirmou que “a prior, temos que olhar a questão humana. Houve falhas e há trâmites que estão a ser seguidos”, reiterou.

Ainda mais adiante, reconheceu que o procedimento dado pela enfermeira não é foi o correcto, porque “existem outros trâmites que devem ser seguidos quando ocorre o óbito, há procedimento por se seguir. Não é só sentir o pulso do paciente e constatar que a pessoa morreu. Existem procedimentos clínicos que não se sabe se a enfermeira seguiu”, acrescentou.

OEM Alerta Sobre Procedimentos Legais

O vice-bastonário da Ordem dos Enfermeiros (OEM), Grácio Guambe, argumenta que as ambulâncias geralmente estão vocacionadas para transportar pessoas em vida, mesmo que moribundas.

“A partir do momento que a pessoa perde a vida num determinado local, já não é papel da ambulância evacuar esse corpo. Por outro lado, se for fora do ambiente hospitalar, aciona-se a equipa do Instituto de Medicina Legal (IML), que geralmente está ligado ao Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), esta dirige-se ao local para fazer a perícia. Feita a perícia, eles recolhem o corpo para a morgue mais próxima ou de referência.”

De acordo com Guambe, independentemente dos procedimentos, o município é responsável pela gestão das morgues, encarrega-se pela articulação do encaminhamento e conservação de corpos, em situações em que a família não tenha condições financeiras para tal.

“O nosso conceito de morte intra-hospitalar é um pouco diferente. Os profissionais de saúde podem, percebendo que o visado não tem recursos para recolher o corpo, acionar os serviços de acção social na inexistência de meios para custear as despesas”, explicou.

O vice-bastonário afirmou ainda  os centros de saúde não estão indicados para atender casos graves, mas podem ser pontos de referência, “onde a pessoa vai, mas quando a pessoa perde a vida ali o tratamento começa a ser defeituoso.”

Entretanto, outras informações que o OCS obteve de algumas Unidades Sanitárias, com condições similares às do Centro de Saúde de Muhalaze, como é o caso do Centro de Saúde do Alto-Maé, a responsabilidade de transferir o corpo que tenha perdido a vida em tratamento no local é, sem dúvidas, da unidade sanitária.

“Este caso precisa de ser denunciado porque nós, como prestadores de serviços de saúde, temos que ser humanos antes de qualquer outra coisa. Como é possível mandar o utente recolher o corpo para casa?”, indagou a fonte.

Diante desta situação, o OCS condena a atitude da enfermeira e exige responsabilização da mesma. Há necessidade de levar a cabo uma investigação profunda por parte das autoridades competentes, para apurar se esta prática costumeira do Centro de Saúde de Muhalaze ou se este foi o único caso. A  atitude do Centro de Saúde é contra os direitos humanos, e constitui uma violação do direito do utente, patente Carta dos Direitos do Utente. (OCS)

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