Em Changara, distrito da província central de Tete, as luzes das lâmpadas convencionais nas unidades sanitárias são geralmente substituídas pela fraca luz das lanternas, em hospitais onde a água e os medicamentos escasseiam, e na sequência disso os utentes são os mais prejudicados.

Nas noites, apenas o banco de socorro e a maternidade das US’s têm luz, deixando outros compartimentos, tais como os corredores, entre outros, às escuras.

Celso Fernandes, activista da associação denominada Acção para Desenvolvimento Social (ADS), assiste este cenário há sensivelmente cinco anos, quando decidiu abraçar o activismo comunitário para responder a um intento pessoal: “salvar vidas como uma forma de salvar-me a mim mesmo.”

“Temos unidades sanitárias que usam energia precária. Usam energia solar. Maior parte das vezes, a energia solar não tem sido suficiente durante a execução dos trabalhos”, afirma o activista, acrescentando que na ausência de energia solar, os técnicos usam lanternas.

“Da mesma forma que lutamos para que haja medicamentos, temos feito de tudo para que, pelo menos, se reestabeleça a energia solar para um atendimento condigno aos pacientes. Em certos hospitais, a energia da EDM (Eletricidade de Moçambique) não é fornecida. Saem em vantagem os hospitais que ficam à beira da estrada, estas têm corrente elétrica. Mas mesmo assim, a energia não é de qualidade”.

Por outro lado, o activista denuncia a falta de água, “O problema de água nas unidades sanitárias é extremamente crónico. Os técnicos de saúde, para que tenham água na unidade sanitária, percorrem uma distância de 50 metros. Em busca de água, carregam baldes e bidões.”

A responsabilidade de percorrer 50 metros em busca de água é também dos activistas. Às vezes, os próprios utentes carregam água das suas casas para o hospital.

“Os técnicos de saúde, os activistas e os próprios utentes percorrem uma distância de 50 metros em busca de água para o hospital. Temos unidades sanitárias que usam energia precária. Usam energia solar”, revela Celso Fernandes. 

Entre os corredores e o recinto hospitalar, caracterizados pela presença de pessoas adoentadas, Celso assiste várias episódios de doença. Várias vezes, viu pessoas  desesperadas idos da farmácia para a sala de consulta para explicar ao técnico de saúde que não existe o medicamento indicado na receita.

“Quando é assim, o profissional de saúde recomenda uma outra medicação, uma vez que a farmácia não tem um certo medicamento”, conta o activista, enquanto caminha de regresso à associação denominada Acção para Desenvolvimento Social (ADS).

“O doente tinha malária cerebral, mas ao invés de recorrer ao hospital procurava pelos curandeiros, profetas e outros tipos de médicos tradicionais”

A primeira vez em que Celso Fernandes assistiu a um caso assustador, originado por uma doença crónica, tinha 20 anos de idade. Não era pai ainda e nem sequer vivia maritalmente.

“O paciente crónico perdera a memória. As comunidades careciam de informações e, por causa disso, associavam a doença ao obscurantismo ou feitiçaria”, afirma Fernandes, adiantando que, “ao invés de recorrer ao hospital, a pessoa procurava pelos curandeiros, profetas e outros tipos de médicos tradicionais”.

O paciente foi aconselhado a recorrer para a unidade sanitária, onde passaria por um  diagnostico, a fim de se saber de quê padecia. No início, lembra o activista, mostrou uma ligeira resistência. Entretanto, passado um tempo ele acabou escutando os conselhos dos activistas de submeter-se a um exame médico e, finalmente, constatou-se que ele padecia de malária cerebral.

“A pessoa, passado um tempo, melhorou. Hoje, já está bem de saúde”, sublinha o jovem activista.

“O problema de medicamentos, para os doentes crónicos, está ultrapassado”

Nos dias actuais, Celso Fernandes é activista-supervisor na organização que se denomina Acção para Desenvolvimento Social (ADS). A mesma organização – que trabalha em prol da sensibilização das comunidades sobre várias doenças: HIV, malária, tuberculose, Covid-19, entre outras – encontra-se no Distrito de Changara, na Província Central de Tete.  

“Graças à monitoria da ADS, a falta de medicamento nos centros de saúde tende a minimizar-se”, sublinha o activista.

Fernandes tem, actualmente, 25 anos de idade e dedica-se inteiramente ao activismo. É pai de um menino que frequenta a primeira classe e pretende desenvolver mais habilidades para lidar com pessoas necessitadas.

“Quero trabalhar mais para ajudar os necessitados. Agora, por exemplo, o problema de medicamentos, para os doentes crónicos, está ultrapassado”, acrescenta o activista-supervisor, com a intenção de destacar o sucesso do persistente trabalho que a sua organização tem levado a cabo.

À semelhança de outros activistas-supervisores da ADS, Fernandes, com recurso a uma motorizada, costuma percorrer uma distância de 94 quilómetros, em busca de material essencial para que a sua organização ponha-se a trabalhar em prol dos mais desfavorecidos e adoentados.  

“Percorrer 94 quilómetros para a centro da Cidade, em busca de material para o exercício das nossas actividades, tem sido um enorme desafio”, afirma o activista, defendendo, entretanto, que a ADC tem tido facilitadores na cidade.

“O activista deve aceitar que o seu trabalho faz parte de si mesmo. Salvar outras vidas é salvar a mim mesmo”, metaforiza Fernandes.

Para a fonte, a ADS tem trabalhado em diversas unidades sanitárias, dentro do Distrito de Changara, assim como no distrito de Moatize (Província de Tete). Em cada unidade sanitária, estão posicionados dois activistas, que costumam percorrer longas distâncias através de bicicletas. Os activistas-supervisores, por seu turno, percorrem as mesmas (e outras distâncias) usando motorizadas.

“O activista deve aceitar os desafios, mesmo não havendo remuneração. Ele deve fazer-se sempre à rua, fazer palestras, sensibilizar pessoas e estar no hospital com doentes… o activista sabe que ao ajudar o outro, ajuda a si mesmo”, afirma Fernandes.  

Estigma e Covid-19: “é importante prevenir as doenças, seguindo as recomendações médicas.”

Ao longo da sua explanação, Celso Fernandes, discutindo o actual posicionamento das comunidades sobre doenças crónicas, manifesta o seu entusiasmo ao assistir a lucidez no comportamento das pessoas.      

“Actualmente, damo-nos pouco com casos de estigmatização de pessoas que vivem com HIV ou tuberculose. As pessoas, na comunidade, costumavam desprezar e abominar os doentes crónicos”, afirma o activista, com um certo tremor na voz.

Fernandes acredita que “graças à nossa sensibilização, as pessoas aperceberam-se que não há nenhuma diferença entre um portador de HIV e um indivíduo seronegativo. Finalmente, conseguem ver que somos todos seres humanos”.

Ainda discutindo a forma como as comunidades lidam com certas doenças, Fernandes revela que quando eclodiu a Codi-19, naquele ponto do país, as pessoas não queriam saber de activistas. Elas fugiam. As crianças, nas escolas, pensavam que os agentes de saúde fossem pessoas maldosas. Mas, finalmente, os medos foram superados, depois de árduas campanhas de sensibilização nos mercados e nas escolas.

“Trabalhar no contexto de Covid-19 tem sido um desafio, mas, até agora, está tudo controlado. No princípio, as pessoas não aceitavam usar a máscara… tivemos que reforçar os trabalhos, para que as pessoas passassem a acatar os métodos de prevenção. Agora, os activistas e as pessoas, no geral, estão prontos para vacinar”, argumenta.

Ao longo da entrevista, Fernandes não deixou escapar a sua crítica às instituições responsáveis pelo fornecimento de mecanismos de comunicação à distância. A crítica está associada à falta de corrente elétrica em algumas zonas – havendo, neste caso, barreiras para que os agentes do sector de saúde estejam informados sobre questões essenciais do dia-a-dia.           

“Alguns activistas da ADS ainda não vacinaram por falta de informação. A comunicação, nesta zona, não nos chega bem porque há problemas de rede e corrente elétrica”, afirma.

Não obstante a crítica, o entrevistado mostra-se contente com o facto de o projecto Sou Cidadão estar a conseguir minimizar alguns problemas básicos do sector.

“A comunidade vai aprendendo sobre os seus direitos e deveres na unidade sanitária. Tem-se desenvolvido diálogos comunitários. os doentes já conhecem os seus direitos, já sabem que não devem ser obrigados a tomar um medicamento que lhes faz mal.”    

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