O Governo moçambicano depositou, no dia 30 de Setembro, a proposta de Orçamento do Estado (OE) para o ano 2021. Esta proposta é apresentada num contexto em que o país vive dois eventos que têm impactado o gozo pleno do direito à saúde, nomeadamente, o conflito em Cabo Delgado, no norte do país, e pandemia da COVID-19.
A proposta do OE para 2021 prevê alocar para o sector da saúde um total de 37 mil milhões de MZN (513 milhões de USD) 5,6% acima do valor previsto na proposta da revisão do OE para o sector da saúde no ano de 2020.
Gráfico 1: Despesa do Sector da Saúde

Fonte: Proposta de Orçamento do Estado 2014-2021 e Conta Geral do Estado 2015-2019
O montante alocado no sector da saúde, incluindo Operações financeiras e Encargos da Divida, tem um peso de 10% do total do OE, sendo que atinge cerca de 14% do OE quando excluídas as Operações Financeiras e Encargos da Divida.
Em comparação com o orçamento de 2020, que está a ser objecto de revisão, o peso do orçamento para 2021 está a 0,5% da meta estabelecida ou fixada em 15% do total do OE estabelecida pela Declaração de Abuja e no Plano estratégico do sector da Saúde (PESS) 2014-2019.
A eclosão e a rápida propagação da pandemia da COVID-19 alteraram todos os paradigmas económicos e sociais normalmente aceites e colocou à prova a capacidade dos países de responder à demanda por serviços de saúde e protecção social. Aliados ao conflito armado na província de Cabo Delgado, na zona norte de Moçambique, a redução no crescimento económico e a aceleração da inflação exigem do executivo moçambicano uma maior atenção as prioridades nas áreas estratégicas da acção governativa.
De modo a comportar tais alterações o Governo moçambicano propôs uma revisão do OE para 2020 com reajustes que levaram ao aumento global dos recursos em 28.7 mil milhões de MZN (5,4 mil milhões na componente interna e 23.3 mil milhões na componente externa) e o sector da saúde sofreu um incremento de recursos de 33%, passando dos anteriores 26.7 mil milhões de MZN para 35.4 mil milhões de MZN.
Está previsto que dos 37 mil milhões de MZN destinados ao sector da saúde, 72% sejam destinados às despesas de funcionamento e 28% dos recursos sejam para investimento. As despesas em medicamentos correspondem a 28,4% (10.5 mil milhões de MZN) do orçamento geral do sector dos quais 78,1% (8.2 mil milhões de MZN) serão com os recursos internos.
Entretanto, as instituições de administração central que compreendem o Ministério da Saúde (MISAU), Central de Medicamentos e Artigos Médicos (CMAM) e Instituto Nacional de Saúde (INS) vão receber cerca de 19 mil milhões de MZN, o correspondente a 51% do volume total de recursos destinado ao sector da saúde. A maior percentagem (50,4%) é absorvida pelo Ministério da Saúde (MISAU). Este facto evidencia que prevalece maior concentração de recursos a nível central do total destinado ao sector da saúde. Aos hospitais centrais, provinciais, gerais e distritais estão alocados apenas 8%, 4%, 2% e 0,25%, respectivamente.
A proporção dos recursos internos na proposta de OE para 2021 é a maior de sempre, cobrindo o orçamento do sector da saúde em 81,8%, consubstanciando-se, deste modo, uma ruptura com a situação dos anos anteriores em que os recursos externos tinham maior expressão no volume total de recursos alocados ao sector.
Para reduzir iniquidades e desigualdades gritantes observadas nos indicadores de saúde, o executivo propõe para o exercício de 2021 alcançar a meta de 89% (1,234,831/1,387,451) partos institucionais, somente 2% abaixo da meta definida no Plano Quinquenal do Governo (PQG) para 2024.
No caso de cobertura de crianças menores de cinco (5) anos de idade completamente vacinadas, o Governo pretende alcançar a meta fixada de 95%, 1% abaixo da meta Quinquenal.
O número de profissionais colocados no sistema de saúde e número de crianças beneficiárias do tratamento anti-retroviral regista uma evolução acentuada, sendo as suas metas fixadas em 5.520 e 135.805, respectivamente, em comparação com os anteriores 2.126 e 104.229 referentes ao ano de 2019.
Ainda para o ano de 2021, está planificado o apetrechamento de 3 unidades de cuidados intensivos no HP de Lichinga, HP de Pemba e HP de Chimoio e requalificação das unidades sanitárias de Montepuez, Macia, Cuamba, Maringa e Massinga. Dentro da estratégia de actuação do executivo para o presente exercício está previsto o início da construção de um hospital distrital (Búzi-Sofala), fora das obras de conclusão e apetrechamento das unidades sanitárias do país.
Entretanto, é importante que esforços continuem sendo desenvolvidos com vista a aumentar a proporção do orçamento para o sector da saúde no plano estratégico do OE que vai possibilitar o alcance das metas internacionalmente acordadas.
De acordo com o Informe Orçamental (2019), Moçambique tem tido um desempenho melhor que a média dos países da África Subsaariana e equipara-se à média dos países de baixa renda no que tange à redução da mortalidade infantil, passando de uma média de 143 por 1000 nados vivos em 2000 para 69 por 1000 em 2017. No mesmo período, os países de baixa renda reduziram de 150 para 69, enquanto os países da África Subsaariana reduziram de 154 para 76 por 1000 nados vivos.
Em relação à mortalidade materna, o desempenho de Moçambique é ligeiramente inferior ao da média dos países em vias de desenvolvimento, passando de uma média de 915 por 100 mil em 2000 para 489 em 2015. Nesse mesmo período, os países de baixa renda passaram de 796 para 479, enquanto os países da África Subsaariana passaram de 846 para 547 por 100 mil.
CONCLUSÃO
Moçambique está atrasado em relação aos seu pares no que diz respeito aos indicadores que medem o progresso nas áreas de prevalência de HIV/SIDA, incidência de malária e Tuberculose e a ocorrência de acidentes rodoviários.
O fraco desempenho da área de HIV e Tuberculose, sendo a segunda a mais oportunista do que a primeira, é uma indicação de que a estratégia carece de aprimoramento a nível de combate e prevenção da doença no país, sem contudo descartar a possibilidade de acréscimos substanciais de financiamento alocados as áreas que contribuíram para a actual situação pode ser que factores sociológicos precisem de ser tomado em atenção.
Apesar dos esforços consideráveis na priorização dos recursos ao sector da saúde este ainda não alcançou a meta prevista, registando um défice de 1% quando considerada a despesa total sem os Encargos da Divida e Operações Financeiras que ao serem observados agravam o défice para os 5%, continuando abaixo da meta estabelecida ou fixada em 15% do total do OE na Declaração de Abuja e no Plano Estratégico do Sector da Saúde (PESS) 2014-2019.
Não obstante o facto de se observar maior proporção de recursos internos a financiar o sector da saúde na proposta de OE 2021, como sendo a maior de sempre observada no sector, assiste-se ainda uma maior concentração no nível central, o que tem sido alvo de crítica pelas organizações da sociedade civil, pois a maior carência de recursos para o funcionamento do sector registam-se em níveis mais baixos, isto é, nas províncias e nos distritos. A presente proposta de orçamento não demonstra que este tipo de planificação da despesa pública será diferente para 2021.
O sistema de saúde deve estar preparado par discutir temas que embora não sejam de sua alçada directa demandam recursos substanciais do sistema. O exemplo mais evidente fica por conta de prevenção, assistência e cuidados de reabilitação das vítimas em consequência dos ataques perpetrados pelos insurgentes desde 2017 na província de Cabo Delgado como dos ocorridos na zona central do país.
Comparativamente as anteriores propostas do PES e OE, a actual proposta prevê uma linha orçamental de resposta à pandemia da COVID-19, porém deixa de fora linhas específicas de assistência à população de Cabo Delgado, refugiada noutros distritos e cidades do país.
Ao OCS
Saúdo este exercício de trazer informação para o domínio público. A sociedade civil tem um papel chave no desenvolvimento e melhorias de políticas públicas em áreas sociais e económicas, equilibrando as intervenções do governo e do sector privado na geração de bem estar social, redução de desigualdades com enfase na democratização dos processos de governação.
Investir em saúde num país, não é apenas investir no serviço nacional de saúde, inclui priorizar áreas como água e saneamento, urbanização e moradia, segurança e justiça social, mercados e indústrias, dentre outras, de forma a conceber uma resposta articulada ao impacto dos determinantes sociais na saúde do nosso povo. A palavra de ordem deve continuar e de forma crescente a ser ” saúde em todas políticas” e saúde para todos.
Temos de repensar na estratégia de cuidados de saúde primários, como uma estratégia sustentável e promissora, que exige equilíbrio com a implemeentação de programas verticais selectivos, buscando encontrar na integralidade a resposta aos desafios de saúde.
As acções de saúde devem investir mais no trabalho de campo, nas US e menos nos nossos escritórios das unidades de gestão e de ONGs, que dissipam as energias financeiras de ajuda ao desenvolvimento para um povo pobre como nosso. Os dirigentes devem pensar em mais carros de trabalho de campo que viaturas protocolares, só para citar um exemplo modelar.
Temos de avaliar o impacto do INS na saúde do nosso povo, e se há ou não duplicação de esforços e de investimentos em estruturas orgânicas como as direcções nacionais de laboratorio, qualidade e saúde publica, com os escopos de acção do INS.
Na situação em que nos econtramos urge acelerar a revisão de pacote de serviços e medicamentos essenciais na perspectiva de cuidados primários no primeiro nível de atenção, lembrando que cuidados primários não é ou pelo menos não deve ser sinônimo de cuidados primitivos para pobres, rurais e favelados.
A disciplina, transparência e responsabilização devem acompanhar os esforços do nosso governo na agenda nacional de saúde.
Aprendemos com a COVID19 que saúde é responsabilidade de todos, portanto, vamos a isso meus caros, e reacender a esperança de um país que prometa ser um melhor lugar para nascer, viver, adoecer, envelhecer e morrer.
Mais não disse
FG