A insuficiência de insumos como cateteres, seringas e luvas, em algumas unidades sanitárias no país, pode estar a contribuir para a exclusão dos utentes e redução do acesso aos serviços de saúde.

O Observatório Cidadão para Saúde (OCS) identificou casos em Maputo, assim como em Pemba, de cidadãos a identificarem a escassez de insumos com os supracitados.

A título de exemplo, no Hospital Geral José Macamo, os pacientes são obrigados a usar o mesmo material durante dois dias e, na falta de elástico para localizar a veia para retirada de sangue, os profissionais de saúde usam luvas.  

“Dão-nos luvas e pedem para conservarmos. Durante dois ou três dias pelo menos”, avançou, em anonimato, uma paciente ao OCS. 

A fonte conta que era obrigada a conservar estes produtos para garantir que no dia seguinte, caso lhe queiram tirar mais sangue, possa usar a mesma luva.

Enquanto isso, após a circulação de um comunicado anunciando a falta de alguns insumos, o OCS foi atrás do caso dos pacientes para averiguar a sua veracidade.

Sucede que os pacientes são obrigados a se fazer aos cuidados médicos com seu próprio material médico-cirúrgico, nomeadamente: dois cateteres; duas seringas e quatro luvas. 

Um paciente, com a voz trémula e hesitante, afirma que se sentiu excluída ao se aperceber do comunicado, dado que não possuía dinheiro para comprar os insumos que se dizia estarem em falta.

“Não queria saber de mais nada senão receber a assistência médica. Estava com dores. Senti mais dores quando soube que o hospital não tinha material suficiente para o serviço de parto”, afirma a mulher, acrescentando que “fiquei sem saber o que fazer ou pensar.”

Custo para o bolso do cidadão

Na farmácia privada, um cateter chega a custar 50 meticais (no câmbio corrente, 1 dólar americano equivale a 63 meticais) sendo que, por dia, possa-se precisar de dois para a assistência ao paciente. O preço de um par de luvas, para cada procedimento cirúrgico, varia entre 25 a 50 meticais. As seringas, que são necessárias para cada medicação, oscilam entre 15 a 25 meticais. Estes preços fazem-se sentir num país em que maior parte da população vive com menos de um dólar por dia.         

“Internacionalmente, recomenda-se a troca de luvas em cada procedimento. É recomendável que cada medicação injectável tenha a sua própria seringa. Por exemplo, se a medicação é de seis em seis horas, significa que se precisa de quatro seringas por dia. Por dia, pode-se usar um a dois cateteres, dependendo do seu estado”, afirma um profissional de saúde, sem se deixar identificar.

Um atentando aos acordos de Abuja

O economista Egas Daniel considera esta escassez um atentado aos acordos de Abuja, do qual Moçambique é signatário.

“A falta de material cirúrgico básico é uma manifestação da violação da Declaração de Abuja, na perpectiva de gestão dos recursos canalizados para o funcionamento do SNS”, afirma o economista, sublinhando que “este é um problema que tem a ver com a fragilidade da gestão dos poucos recursos que existem na nossa economia.”

A Declaração de Abuja, celebrada por países africanos em 2001, prevê que os mesmos destinem 15 por cento dos seus orçamentos para o sector da saúde. Moçambique, entretanto, nunca conseguiu atingir esta percentagem.

Para além do incumprimento da declaração, o governo deixou de investir no SNS cerca de 146.81 mil milhões de meticais, nos últimos dez anos, de acordo com um estudo realizado pelo Observatório Cidadão para Saúde (OCS). 

A escassez de insumos, de acordo com o economista, constitui uma agressão para o bolso do cidadão, numa altura em que o país enfrenta a pandemia da Covid-19, caracterizada por um elevado número de hospitalizações e mortes.

“Depois da passagem dos ciclones Idai e Kenneth, esta situação constitui uma agressão ao bolso do cidadão, numa altura em que a compra de bens e serviços tende a agravar-se, por conta da pandemia da Covid-19”, argumenta Daniel.

O economista lamenta ainda o facto de as famílias terem de se preocupar com os insumos hospitalares básicos, ao invés “de se concentrarem na busca de alimentos para a sua sobrevivência.”

Duas senhoras, residentes na Cidade de Pemba, falando com a nossa equipa na condição de anonimato, afirmam ter-se sentido gravemente agredidas quando avistaram o comunicado que se referia à obrigatoriedade de se apresentarem ao hospital com seus próprios insumos.

“Eu não tinha dinheiro nenhum para comprar as minhas próprias luvas e seringas para que me pudessem assistir no serviço de parto. Nem estava em condições de reclamar, devido às dores”, lembra-se uma das senhoras, sem querer dar mais detalhes sobre o processo de parto.

Denuncia a fragilidade do Sistema Nacional de Saúde

Para Camila Fanheiro, psicóloga clínica associada à Saber Nascer – uma organização que trabalha em prol da humanização de serviços obstétricos – a insuficiência de insumos nas unidades sanitárias denuncia as fragilidades do governo na gestão de recursos públicos.    

“Isto mostra que o governo está a canalizar mal os recursos, mesmo havendo parceiros nacionais e internacionais que financiam o SNS”, afirma Fanheiro.

“Não faz sentido obrigar o paciente a levar seus próprios insumos à unidade sanitária. Isto representa uma violação institucional, assim como representa uma violação obstétrica, colocando-se em perigo mulheres em gestação, em condição de parto ou pós-parto”, sublinha a psicóloga.

Fanheiro defende a necessidade de se humanizar os serviços levados a cabo pelo SNS, sublinhando a racionalização imediata da distribuição de recursos nas unidades sanitárias.

“Deve-se fazer alguma coisa pelo sector da saúde. Ano passado, por exemplo, fui obrigada a comprar um saco colector para o meu pai, porque o hospital não o tinha. O meu pai quase foi obrigado a fazer as necessidades num saco de plástico ou luvas. Isto foi-me uma agressão moral e psicológica”, lamenta a Fanheiro.

Para que o Governo responda às condições mínimas aceitáveis internacionalmente no sector de saúde, precisaria de gastar pelo menos 113 mil milhões de meticais, correspondente a 32% da despesa total, o triplo do que foi gasto em 2020.

“Este é um momento para pedir mais ajuda”

Por seu turno, Lia Viegas – igualmente psicóloga clínica – acredita que a ausência de insumos em algumas unidades sanitárias denuncia o défice de stock a nível central, assim como denuncia a pressão que o SNS tem sofrido por causa das atenções viradas para a Covid-19.

“Este é um momento para pedir mais ajuda, ao invés de criticar. Neste momento, é normal que esta roptura se faça sentir”, defende Viegas.  

O Observatório Cidadão para Saúde (OCS) entrou em contacto com duas entidades da direcção do Hospital Provincial de Pemba para se inteirar sobre a situação. No entanto, as fontes divergem na argumentação, sendo que uma refuta a exigência do comunicado e a outra confirma a existência do mesmo, recusando-se, entretanto, entrar em detalhes sobre a insuficiência de insumos naquele hospital.                             

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