Jorge Matine, falando à imprensa sobre os efeitos das taxas de usuário no sector da saúde

As taxas de usuário, também denominadas taxas moderadoras, cobradas aos utentes nas unidades sanitárias, constituem uma barreira no acesso aos serviços de saúde em Moçambique, de acordo com um estudo realizado e divulgado pelo Observatório Cidadão para Saúde (OCS), esta terça-feira, em Maputo.  

De acordo com o director executivo do OCS, Jorge Matine, citando o estudo intitulado “Efeitos Socioeconómicos das Taxas de Usuário no Sector da Saúde em Moçambique, os utentes são grandemente prejudicados pelas taxas de usuário, visto que são obrigados a sacrificar o dinheiro destinado a outras despesas, como alimentação, para ter acesso ao atendimento.

Só para se ter uma ideia, disse Matine, as taxas cobradas variam entre 50 a 2.000 meticais, dependendo do tipo de serviço. Há também que se ter em conta que as mesmas variam de hospital para hospital, uma vez que não existe um instrumento legal que regula estas cobranças.

“Imaginemos uma camponesa que mesmo para comprar comida para a sua família tem dificuldades. Como é que conseguiria custear um simples exame? Obviamente, ela colocará dois pesos na balança e, certamente, sacrificará um, mesmo sendo que ambos são de extrema importância”, questionou.

Por outro lado, o director explicou que as taxas de usuário concentram-se mais em hospitais quaternários, como é o caso dos hospitais centrais e gerais, ao passo que nos centros de saúde não são reconhecidas como sendo taxas de usuários, mas sim como contribuições dos utentes para a oferta dos serviços, daí que há casos em que as mesmas são pagas em espécie.

“Durante as entrevistas da pesquisa, houve relatos de pacientes nas maternidades que tiveram que contribuir com velas, água e outro tipo de material necessário para o trabalho de parto”, sublinhou.

Outra justificação que não faz sentido, para o director executivo do OCS, reside na explicação de que as taxas de usuário, nos hospitais quaternários, são aplicadas para desincentivar as comunidades que deixam de ir a um centro de saúde mais próximo, para ir a um hospital por “qualquer” doença.

“Só dizem que os pacientes devem antes procurar os serviços mais próximos, mas nós sabemos que há défice de material nas nossas unidades sanitárias. Há casos em que alguém vai sempre a um posto de saúde mais próximo porque sofre de tensão, mas o posto não tem medidor de tensão. Assim sendo, o paciente, com certeza, acaba recorrendo a hospitais que lhe ofertarão assistência”, disse.

Matine referiu ainda que as taxas moderadoras demostram que o custo é maior que o benefício, o que significa que o Estado gasta mais pagando pessoas para cobrar taxas de usuário, sem que estas sirvam de fonte de renda para aumentar os recursos hospitalares.

Diante destas constatações, o director do OCS defende a eliminação das taxas, por se ter concluído que as mesmas não são eficientes.

Principais constatações

Em termos numéricos, o pesquisador e economista do OCS, Denzel dos Santos, a quem coube apresentar os resultados do estudo, argumentou que as receitas provenientes das taxas de usuários contribuíram, nos últimos anos, com apenas 0.5% em média, em relação às despesas totais do sector de saúde. Assim sendo, sendo refutável o argumento de que as taxas de usuário servem para a manutenção e melhoria dos serviços públicos de saúde.

Aliás, o risco de estas taxas provocarem a exclusão de algumas famílias, principalmente as mais pobres, aos serviços de saúde é uma hipótese pertinente.

“A evolução destas receitas não segue alguma tendência lógica de arrecadação de receitas. Tanto os gestores como os utentes mostraram ter pouco conhecimento sobre o processo de arrecadação e utilização destes fundos”, disse Dos Santos, adiantando que 56% dos utentes tiveram de sacrificar alguma necessidade básica – alimentação, energia eléctrica, água, transporte, entre outros – para custear as taxas.

“A alimentação mostrou-se como a necessidade mais sacrificada”, anotou.  

O pesquisador disse ainda que grande parte dos inquiridos tem pouco conhecimento sobre as taxas de usuário e sobre a finalidade dos fundos arrecadados através destas cobranças legalmente previstas.

Ademais, o espaço de corrupção e de cobranças ilícitas existe por não se afixar tabelas dos preços nas unidades sanitárias, o que permite com que os profissionais de saúde tenham uma autonomia para cobrar valores maiores que os previstos em diferentes serviços.

“Outro ponto importante aponta que, embora estas taxas existam com a primordial intenção de servir de financiamento alternativo às despesas no sector de saúde e para melhorias na qualidade dos serviços públicos prestados, grande parte dos utentes e não-utentes inquiridos mostra-se insatisfeito com a actual qualidade dos serviços, caracterizado pela falta de medicamentos”, disse.

“Por assimetria de informação por parte dos utentes, os actos de corrupção podem suceder-se inconscientemente. Neste sentido, as despesas com saúde são consideradas catastróficas para as populações desfavorecidas”, sublinhou.

Como recomendações, o pesquisador destaca a necessidade de se analisar a eficiência, eficácia e relevância das taxas de usuário como fonte de financiamento, tomando em conta os efeitos negativos que estas representam para a população.

Dos Santos sugere igualmente a redução significativa das taxas de usuário a nível hospitalar, onde há mais risco de barreira de entrada, despesa catastrófica. Por outro lado, as taxas devem ser eliminadas nos Cuidados Primários de Saúde para promover a utilização dos serviços e redução dos custos de cobrança.

Denzel dos Santos, apresentando os resultados da pesquisa sobre Taxas de Usuário

Experiência do HCM

Em relação à aplicação destas taxas, o chefe do departamento de gestão de qualidade e manutenção no Hospital Central de Maputo (HCM), Edmilson Mavie, explicou que estas foram adoptadas para reduzir o uso dos hospitais quaternários por utentes que deviam procurar os serviços em unidades sanitárias que prestam os cuidados primários e de nível terciário.

“Servem também como renda alternativa por conta da insuficiência de recursos. Assim sendo, não representam uma barreira significativa a nível de acesso”, afirmou, reconhecendo, entretanto, que as taxas presentam uma barreira quando as famílias mais desfavorecidas têm que sacrificar algumas despesas para poder garantir a sua saúde.

Por outro lado, relativamente ao HCM, garantiu que as taxas são pagas apenas por pacientes que chegam ao hospital sem nenhum guia.

Edmilson Mavie, falando sobre a experiência do HCM na aplicação das taxas moderadoras

A pesquisa, que tinha como objectivo analisar os efeitos socioeconómicos das taxas de usuário no sector público de saúde moçambicano, abrangeu todas as províncias do país, num universo de 1.100 utentes e não-utentes inqueridos em mais de 50 unidades sanitárias, entre hospitais centrais, gerais, provinciais, distritais e centros de saúde.

Leia a pesquisa completa em:

Participantes do Seminário de Divulgação dos Resultados da Pesquisa sobre os “Efeitos Socioeconómicos das Taxas de Usuário no Sector da Saúde em Moçambique”

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