Quando eclodiu a Covid-19, e as medidas de prevenção entraram vigor, a activista comunitária Lúcia Gomes foi obrigada a trocar as visitas domiciliares aos pacientes pelas chamadas telefónicas.

A comunicação, exclusivamente telefónica, reduziu, de alguma forma, o grau de confiança e os laços de amizade entre os activistas e as pessoas vivendo com HIV.

“A Covid-19 tem a particularidade de reduzir o contacto com os pacientes e é difícil as pessoas se abrirem. Tivemos que nos adaptar. Agora falamos ao celular e há factos que não notamos através de uma conversa por celular”, lamentou Lúcia Gomes, ao fim de uma conversa ao celular com uma paciente.

Através da comunicação telefónica – que se caracteriza pelo distanciamento entre os intervenientes do processo comunicativo – há sentimentos e expressões que Lúcia Gomes não consegue transmitir nem receber.

No passado, quando os encontros eram presenciais, a activista conta que era possível perceber o desespero, a expressão de alívio, assim como gostaria de fitá-los quando estes se apercebem que contrair HIV não significava o fim da vida.

“Gostava também de ver a expressão de felicidade dos pacientes, quando estes constatam que a carga viral apresenta melhorias”, lembra.

A manifestação emocional dos portadores de HIV, segundo a integrante da associação Pfuka Uhanya, contribuía, sobremaneira, para que os activistas tomassem medidas mais acertadas.

“Sabia, em função do estado da pessoa, que devia tomar mais cuidado e dedicar-me mais”, revela.

Ela esclarece, por outro lado, que os encontros presencias eram bons, na medida em que possibilitavam que se percebesse que, “infelizmente, algumas pessoas, por medo, mentem. Fornecem um endereço residencial errado e tantas outras coisas. Às vezes, é possível notar isso quando falamos”, revela a activista, acrescentando que o contacto físico era muito importante.

 “Hoje, com a Covid-19, é difícil. A não ser em casos extremos, somos obrigados a visitar o paciente”, explica, enquanto vasculha, na sua lista de pacientes, um contacto para chamar um paciente ao telefone.

Do outro lado da linha, uma voz feminina, que se manifesta tranquilamente, atende o celular e, ao longo da conversa, revela que “até hoje, não consigo contar ao meu parceiro sobre o meu estado e isso contribuiu para que eu parasse com a medicação, pois ainda lhe escondo o meu estado.”

Lúcia esconde a identidade da paciente ao Observatório Cidadão para Saúde (OCS), mas garante que, neste caso, vai ter de marcar um encontro presencial com a mesma, para mais aconselhamentos.

“Uma das coisas mais complicadas é a pessoa se abrir com o parceiro. Quando ela não se abre, a única solução tem sido parar de medicar”, explica Gomes.

A activista conta que , com o distanciamento e as proibições, temia um fim trágico das suas actividades. Na altura, em 2020 – quando se identificou o primeiro caso de Covid-19 em Moçambique – ela imaginou pacientes a entrarem em depressão e, pior ainda, a abandonarem o tratamento.

“Hoje [segunda-feira] falamos com pacientes que se encontram na segunda linha. Estes têm a sua carga viral elevada. Esta paciente [com a qual falava ao celular] está a piorar.

À semelhança de milhares de cidadãos e activistas, durante o seu percurso como activista, Lúcia Gomes nunca vira algo do género e, naturalmente, pensou que, “fosse prejudicar as nossas actividades. Receávamos que não fôssemos reter os pacientes.”

Apesar de a associação ter-se conseguido adaptar e reinventar, Gomes lamenta a existência de limitações por conta da pandemia, afirmando que o trabalho não decorre devidamente à semelhança dos dias anteriores.  Ser activista, nos tempos anteriores a covid-19, transcendia ao simples facto de aconselhar os pacientes sobre a necessidade de darem continuidade ao tratamento.

“É muito mais do que isso. Tornámo-nos familiares. Sentimos falta de estar com a pessoa. Falar, olhar, dar conselhos e abraçar” sublinhou Gomes.

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