Mesmo lidando com diversos desafios de natureza distinta, Isabel Compaunde – activista em questões viradas para a saúde – percorre diariamente quilómetros de distância, nas entranhas da Cidade de Nampula, para consciencializar as pessoas sobre o perigo que o HIV representa para a sociedade moçambicana.

Neste exercício de consciencialização, a mensagem sobre a prevenção do HIV abrange igualmente as trabalhadoras de sexo, que mais do que se  exporem à infecção, propagam o vírus entre os seus parceiros.

“Tenho percorrido as ruas da Cidade de Nampula para consciencializar as pessoas sobre o mal que o HIV representa para a nossa vida. Ao longo da consciencialização, tenho conversando também com as trabalhadoras de sexo”, afirma Isabel, acreditando que estas mulheres constituem grupo-alvo para a redução dos índices de infecção por HIV.

De acordo com o último Inquérito de Indicadores de Imunização, Malária e HIV/SIDA em Moçambique (IMASIDA https://ins.gov.mz/mocambique-entre-os-paises-com-maior-infeccoes-de-hiv-em-recem-nascidos),  cerca de 2.1 milhões da população moçambicana vive actualmente com o HIV  e a taxa de transmissão vertical de mãe para filho é de 13%.

O mesmo relatório revela ainda que o risco de infecção pelo HIV é elevado  entre as populações-chave, mulheres e raparigas adolescentes e mulheres jovens, sendo que em 2020 os adolescentes e jovens foram responsáveis por 40% das novas infecções por HIV, “por isso, deve-se tirar as mulheres jovens do mundo da prostituição.”

Por sua vez, dados do Instituto Nacional de Saúde, baseados nos estudos realizados pela ONUSIDA e Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, nos últimos tempos, houve 150 mil novas infecções pediátricas em 21 países prioritários, incluindo Moçambique (https://ins.gov.mz/mocambique-entre-os-paises-com-maior-infeccoes-de-hiv-em-recem-nascidos/).

“Acredito que podemos minimizar os indicies de infecção se também consciencializarmos as trabalhadoras de sexo”, afirma a activista, para quem é urgente que haja mudança de comportamento, instruindo-se “as trabalhadoras sobre a necessidade de se levar uma vida normal, que não tenha nada que ver com o envolvimento sexual  de forma aleatória.”

“Ao abandonar a prostituição, elas poderão procurar emprego para que se possam sustentar”, sublinha Compaunde.  

Após consciencializar as trabalhadoras, Isabel aconselha-as a recorrer à unidade sanitária mais próxima para processo de testagem e tratamento da doença, no caso de se constatar a existência de seropositivas.

Morosidade e Escassez de Insumos Minam a Saúde

Para a activista, é muito urgente que se faça uma reforma no Sistema Nacional de Saúde (SNS), prestando-se particular atenção à formação dos profissionais de saúde, dado que estes, quando não estão devidamente preparados, transformam as unidades sanitárias em verdadeiros espaços de aglomeração de pessoas.

“Alguns profissionais, em particular estagiários, são impacientes e agravam as filas na hora de espera para o atendimento. É preciso que se aposte em profissionais que tenham a capacidade de lidar com os pacientes sem problemas, que saibam agir correctamente sem colocar a auto-estima do paciente em perigo”, defende a activista.         

Para além da morosidade no atendimento, Isabel revela que “as unidades sanitárias, às vezes, não têm medicamentos e, quando é assim, os pacientes desenrascam-se na farmácia privada.”

Algumas trabalhadoras que passam a aderir ao tratamento antirretroviral  “ficam desmoralizadas porque às vezes os profissionais, nas unidades sanitárias, dizem não haver medicamentos.”

“Isso é que também motiva as pessoas a desistirem do tratamento”, sublinha a activista, condenando as cobranças ilícitas perpetradas por alguns profissionais de saúde, assim como a indiferença que tem caracterizado o comportamento dos pacientes.

Activismo Coberto por Violência Doméstica

Isabel Compaunde tem 34 anos de idade e exerce o activismo há mais de cinco anos. Ao longo deste tempo, ela já desempenhou um papel  crucial para o bem-estar de muita gente, inclusive para o bem-estar de trabalhadoras de sexo que, ouvindo os seus conselhos, colocaram-se dentro das coordenadas.

“Há tempos, conheci uma trabalhadora de sexo que, ouvindo as minhas palavras, acabou mudando de comportamento. Ou seja, no mundo da prostituição, conheceu um cliente que, passados alguns meses, apaixonou-se por ela. Ela não sabia o que fazer, então aconselhei-a a levar o homem a sério”, conta a activista.

“Depois disso, os dois uniram-se e hoje vivem juntos”, acrescenta, defendendo que esta história evidencia a mudança de comportamento das pessoas.       

Neste percurso, entretanto, mais do que lidar com portadores de HIV e trabalhadoras de sexo, Isabel deixa-se viver dentro de uma relação conturbada, em que o esposo bate nela. A violência é tanta a ponto de ela própria  perder a conta das vezes em que fora esbofeteada.

Questionámo-la insistentemente sobre tais episódios violentos, até que finalmente nos dissesse que o mais recente espancamento se deu no dia 19 do mês em curso, motivada por uma chamada telefónica.

“Era um paciente que me estava a ligar. Mas ele pensou que fosse um pretendente ou amante. Ele bateu tanto em mim”, confessa a activista.

De acordo com pesquisas, levadas a cabo pela UNICEF, a violência doméstica, em Moçambique, é geralmente perpetrada por um familiar ou parente íntimo (https://www.unicef.org/mozambique/historias/em-mo%C3%A7ambique viol%C3%AAncia-%C3%A9-geralmente-perpetrada-por-um-familiar-ou-parente-%C3%ADntimo).

Com Isabel, a situação não é diferente, dado que ela tem sido vítima do próprio esposo, pai dos seus quatro filhos.

Isabel relata ainda que o esposo recorre a qualquer tipo de instrumento para violentá-la, mas sem dispensar os seus próprios punhos e os restantes membros corporais, concebidos para violentar.

“Ele bateu em mim e, depois de se aperceber que me tinha aleijado a perna, pediu-me desculpas”, disse Isabel, com a voz hesitante, como se evitasse lacrimejar ou esconder a vergonha.      

Com este perpetrador de violência, Isabel é casada há vários anos. Não é por acaso que ambos têm quatro filhos. O mais velho frequenta a décima primeira classe e, entre várias profissões, sonha em ser professor ou médico.       

“Às vezes, o meu marido insulta-me defronte das crianças e, quando ele faz isso, tento reagir”, afirma a fonte, adiantando que “nunca queixei à polícia porque tenho medo que ele seja preso e a família dele fique ajustar as contas comigo.”     

Na sequência destes episódios, Isabel tem feito de tudo para transformar o marido em homem consciente, homem que não mais se deixa governar pelo álcool. Aliás, ela já participou em formações sobre Violência Baseada no Género (VBG) e Direitos Humanos das Mulheres.

“Aos poucos, aprendo a lidar com a situação”, sublinha Isabel, para quem o subsídio para o exercício do activismo não chega a ser grande coisa, “faço isto para ajudar as pessoas.”        

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